Tributos e o controle de sua destinação em um estado democrático de direito

O debate social no Brasil em torno de questões tributárias tem-se mostrado cada vez mais presente. De uma terrível apatia reinante até a última década do século XX, passamos a presenciar um interesse crescente da sociedade para com os tributos.

Todavia, é curioso notar que as atenções estão voltadas predominantemente para a tradicional rejeição do cidadão em pagar tributos em um nível tão elevado quanto o que se tem no Brasil. É comum, assim, ouvirmos reclamações no sentido de que trabalhamos quatro meses do ano somente para pagar tributos e que, além disto, o sistema é extremamente burocrático e complexo, com muitos ?impostos?.

Nesta linha, temos hoje uma discussão e uma pressão muito fortes contra a aprovação da continuidade da CPMF. Alega-se, por diversas razões, que se trata de um tributo injusto, que deveria ser ?provisório? e que, ademais, expõe ao Fisco a ?intimidade? financeira dos contribuintes! Afinal, a CPMF é um tributo que, além de muito rentável para o governo, é-lhe extremamente útil na luta a sonegação, pois possibilita um acesso ao que se imagina ser a riqueza tributável dos contribuintes.

Não obstante os vários argumentos contrários à elevada carga tributária que temos no Brasil, à injustiça e à invalidade de muitos tributos aqui já criados como é o caso da CPMF é necessário prestarmos atenção para uma outra questão importantíssima: a da legitimação dos tributos pela sua destinação.

Para tanto, é importante que o leitor tenha em mente algo básico para o direito tributário: no Brasil, o tributo é um gênero, do qual são espécies os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais.

Até pouco tempo atrás, o leitor pode se lembrar que a nossa maior preocupação voltava-se para os impostos, notadamente o Imposto de Renda. Aos poucos, porém, os operadores do direito começaram a denunciar um deslocamento das atenções do governo federal para um outro tipo de tributo: as Contribuições Especiais (PIS, Cofins, CPMF, Cides etc). Por quê? Porque tais tributos, em regra, não são partilhados com estados/distrito Federal/municípios e, ainda por cima, destinam-se a finalidades nobres (saúde, educação, assistência social etc.), que acabam por conquistar a simpatia (se é possível dizer isto de algum tributo) dos corações mais sensíveis, dificultando, assim, o controle de sua validade.

De qualquer modo, registre-se que a tônica das Contribuições Especiais é a sua específica finalidade, a destinação do produto da sua arrecadação. Lembramos que tais tributos têm como fundamento constitucional geral o art. 149, que as divide em três tipos: (i) as contribuições sociais, (ii) as contribuições de intervenção no domínio econômico (Cides) e (iii) as contribuições de interesse de categorias profissionais/econômicas. Por sua vez, as contribuições sociais são subdivididas em dois outros grupos: (i.a) as contribuições sociais gerais (Salário-Educação e FGTS, por exemplo) e (i.b) as contribuições para a seguridade social (art. 195 da CF/88). Em síntese, as contribuições são destinadas, de forma específica, a financiar diversas atuações do Poder Público; desde que autorizadas pela CF/88. Já os impostos são tributos destinados a cobrir gastos gerais e não específicos (art. 167, IV da CF/88).

Desta forma, é importante que o leitor saiba, por exemplo, que é incorreto pensar que a CPMF é um ?imposto?. Certo que a CPMF é um tributo, mas é um tributo do tipo ?contribuição? (?Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira?). Não deveríamos, assim, chamá-la de ?imposto do cheque?. Afinal, além de não incidir somente sobre operações com ?cheque?, ela é um tributo que se legitima pela destinação dos valores arrecadados (nos termos da Constituição: saúde, previdência e combate à pobreza!).

Todavia, percebemos que as discussões sobre a CPMF como, normalmente, em relação a todos os tributos apenas superficialmente tocam a questão da sua destinação. O normal é presenciarmos uma forte rejeição à própria cobrança, mas não contra o fato de que o governo nos omite sobre a real destinação desse e dos outros tributos.

Assim, no dia-a-dia, se o cidadão tem o costume de controlar o gasto que o cônjuge, que os filhos, que os empregados fazem do seu dinheiro, paradoxalmente não quer saber nenhum pouco de controlar o que o Poder Público faz com 1/3 de seus rendimentos. Frise-se: o cidadão destina àquele quatro meses de trabalhos suados e não se revolta e nem procura desenvolver formas de controlar o que é feito com o seu ?dinheirinho?!

Portanto, neste momento de pressão pela não continuidade da CPMF, é importante que as instituições sociais e os cidadãos comecem, também, a se preocupar com a destinação de todos os tributos (e não somente das ?contribuições?); até porque, em certa medida, o próprio Poder Judiciário notadamente o Supremo Tribunal Federal vem demonstrando que o governo não pode fazer o que quiser com aqueles (ver, por exemplo, ADI n.º 2925). Com esta nova atitude, certamente iremos perceber que muito do problema da tributação não se encontra bem na sua alta carga, mas no fato de que, paralelamente ao tributo, temos que pagar ao setor privado por serviços que o Estado deveria prestar. Afinal, se recebêssemos serviços públicos em quantidade e qualidade bastante satisfatórias (na educação, na segurança, na previdência, na assistência, na saúde etc.), na proporção do que desembolsamos, possivelmente a rejeição à CPMF e aos outros tributos não fosse tão grande!

Bem por isto, no curso de Mestrado em Direito da UniBrasil, dentro da temática ?Democracia e Direitos Fundamentais? e, especificamente, da disciplina de Direito Tributário, temos desenvolvido estudos e pesquisas voltados para o controle da destinação dos tributos e sua relação com as políticas públicas. Estamos convencidos de que, principalmente em um Estado Democrático de Direito, o Poder Público não tem liberdade para fazer o que bem quiser com os valores arrecadados a título de tributo. Se o art. 3.º da CF/88 estabelece que tal modelo de Estado deve construir uma sociedade livre, justa e solidária, não se pode conceber um destino diferente deste para os tributos. Mais a mais, também os benefícios tributários somente serão válidos se concedidos dentro dessa ótica. Todavia, igualmente estamos convencidos de que não basta a mera previsão normativa (constitucional, legal e/ou orçamentária) de uma adequada finalidade dos tributos. É necessário que o dinheiro alcance, efetivamente, o destino determinado pelo ordenamento.

Para tanto, pensamos ser indispensável desenvolver um forte vínculo entre cidadania, tributação e democracia, sem o qual não se pode falar em Estado Democrático de Direito.

Assim, com a disciplina ?Tributação, Direitos Fundamentais e Políticas Públicas?, o Mestrado em Direito da UniBrasil trilha o caminho de vincular o tributo às idéias de democracia, cidadania e participação social, como mais uma forma de fortalecer o discurso e a práxis dos direitos fundamentais.

Octavio Campos Fischer é professor de Direito Tributário do Mestrado da Unibrasil/PR, doutor e mestre em Direito Tributário pela UFPR, advogado em Curitiba e conselheiro (suplente) da OAB/PR. www.octaviofischer.com.br e octavio@octaviofischer.com.br

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