Questões envolvendo aspectos tanto públicos quanto privados, que dizem respeito a situações relacionadas a mais de um Estado da comunidade internacional, estão sendo cada vez mais regulamentadas através de tratados internacionais. Muitos temas que até o século XX ficavam restritos à normatização pelo direito interno dos países, ou mesmo muitas práticas dos Estados que ocorriam com base apenas num costume internacional, são hoje objeto de regulamentação internacional.
O Brasil, apesar de sua política externa privilegiar a participação nos grandes acordos internacionais, sendo, por isso, signatário de inúmeros instrumentos, ainda resiste a utilizá-los quotidianamente, ignorando essa importante fonte do direito.
Já no processo de internalização dos tratados, há uma demora injustificada durante sua apreciação pelo Congresso Nacional, no exercício de suas funções contidas no artigo 49, I da Constituição Federal. Depois de internalizados e em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, os interessados raramente referem-se aos tratados, onde muitos de seus direitos lesados podem estar protegidos. A população não tem conhecimento de seu conteúdo e os advogados não têm o hábito de reportarem-se aos tratados no exercício da advocacia. Poder Judiciário e Ministério Público também têm cautela em sua utilização e o próprio STF ainda mantém o postulado da decisão referente ao RE 80.004/1977, em que se estabeleceu o status de lei ordinária para o tratado internacional, que pode ser revogado por ato legislativo posterior. Diante desse posicionamento, prevalece no direito brasileiro a última vontade do legislador interno e desconsidera-se o instituto da “denúncia” – o procedimento específico do Direito Internacional através do qual o Estado manifesta sua intenção de retirar-se do tratado.
São situações que refletem nitidamente uma herança viva do período ditatorial, em que prevalecia a preocupação com a “segurança nacional”. Durante muito tempo o Brasil fechou-se para o resto do mundo e difundiu-se no âmbito jurídico interno a idéia de que tudo que viesse de fora afetaria a soberania nacional, afastando-se por completo a visão de que os tratados internacionais devem prevalecer sobre o ordenamento nacional porque o Estado assim se comprometeu perante outros estados. Se o valor hierárquico superior do Direito Internacional fosse realmente uma forma de interferência externa na soberania estatal, certamente países como Alemanha e França não adotariam tal sistema.
Infelizmente esse pesado legado ainda se reproduz em muitas faculdades de direito, que não dão o devido valor às disciplinas que envolvem questões internacionais e onde muitas vezes o direito internacional (em sua dimensão pública, privada ou de integração regional) é ministrado como matéria optativa.
Há muito tempo aprendemos a lição romana de que os tratados devem ser cumpridos (pacta sunt servanda). Essa é sua razão de ser. Nenhum Estado é obrigado a fazer parte de um tratado, mas se o fez, ou seja, se manifestou seu consentimento, ele tem a obrigação de cumpri-lo, pois se trata de uma fonte de direito, logo, obrigatória.
Tratado é um acordo celebrado por escrito, entre sujeitos de direito internacional, independente de sua denominação (que pode ser tratado, convenção, pacto, protocolo, etc.). Ele é negociado, assinado, ratificado, publicado internamente e depositado internacionalmente. Pode ser bilateral ou multilateral; ter a forma solene, quando passa pelo crivo Poder Legislativo no processo de internalização, ou forma simplificada; pode admitir a adesão de novos membros (tratados abertos) ou não (tratados fechados). Nos termos da Convenção de Viena sobre Direito dos tratados, de 1969, admite-se o estabelecimento de reservas em seus artigos, além de declaração de interpretação. As partes são livres para determinar as regras sobre a produção do texto, adoção, entrada em vigor, depósito, emenda. Mas a interpretação do tratado tem regras claras: deve ser feita com boa fé e focada na sua aplicação. Afinal, os estados tiveram ampla liberdade para escolher seus termos e o tratado foi celebrado com o objetivo de ser posto em prática. O Brasil precisa perceber isso.
Tatyana Scheila Friedrich é mestre pela UFPR e professora substituta de Direito Internacional Privado da UFPR.