Trânsito em julgado da condenação como requisito obrigatório para o início de cumprimento da pena

Dada a reiteração dos julgados, o Superior Tribunal de Justiça editou, em 2002, a Súmula 267, a qual dispõe que a ?A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.? Com tal permissivo, muitos réus são presos sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, em manifesta violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (CF, art. 5.º, LVII).

Contudo, a prática tem demonstrado que não raro é a alteração do entendimento dos Tribunais, mesmo sobre questões que se pensa já estarem resolvidas pela construção sumular. Na seara criminal, por exemplo, pode-se citar o cancelamento das Súmulas 174 (?No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena?) e 91 (?compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna?), ambas do STJ. Frente a esse quadro, os advogados criminalistas não podem se conformar com a prisão de seus clientes por força de sentença condenatória, sem que esta não tenha ainda transitado em julgado.

No dia-a-dia forense, especialmente no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, denota-se que tão logo julgada a apelação, e não havendo divergência de votos quanto à condenação, a determinação é que se comunique rapidamente o Juízo a quo, de forma a possibilitar o pronto encarceramento do apelante, na famigerada ?execução provisória da pena?. Nessas decisões, o fundamento invocado para a prisão imediata é a de que eventual recurso excepcional (Extraordinário e Especial) a ser interposto contra a condenação não teria efeito suspensivo. O argumento, todavia, não procede.

É bem verdade que, segundo a letra fria da lei, os recursos em tela não têm o poder de suspender os efeitos da decisão recorrida, conforme prevê o art. 27, § 2., da Lei n.º 8.308/90. Todavia, a leitura da legislação ordinária deve ser feita atentando-se para o que estabelece a Constituição Federal. E esta não deixa margem a dúvidas, ao dispor, no capítulo Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que ?ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória.? (CF, art. 5.º, LVII).

Portanto, afigura-se correta a interpretação segundo a qual somente deve ser executada a pena de prisão após o julgamento dos recursos Especial e Extraordinário, com o conseqüente trânsito em julgado da decisão condenatória. Neste sentido, aliando técnica e humanidade, o supremo tribunal federal possui uma jurisprudência garantista que confirma a necessidade de se operar a ?coisa julgada? para que se possa promover a execução penal.

Vale referir com a devida homenagem aos sensíveis julgadores o HC 85.591, julgado em 25/05/2005, no qual o ministro Sepúlveda Pertence, concedendo a ordem, esclareceu que não pode haver execução provisória de qualquer tipo de pena quando a prisão é fundada em decisão condenatória recorrível, sob pena de violação ao princípio da não-culpabilidade. No mesmo sentido, o ministro Cezar Peluso, no julgamento do HC 84.677 asseverou que ?o disposto no inc. LVII do art. 5.º da Constituição Federal impede a execução provisória da sentença penal condenatória, seja qual for a pena aplicada.(…)?.

Tal posicionamento inclusive coaduna-se com a tradição libertária da Suprema Corte. Antes mesmo da Carta Magna de 1988, o stf já havia decidido (Pet. 166/SP, Relator o ministro Paulo Madeira) que ?o juiz só ordenará a expedição de do recolhimento do réu depois de transitada em julgado a sentença que aplicar a pena privativa de liberdade?.

Reforçando este correto entendimento, vale ressaltar que o art. 105 da Lei de Execução Penal é claro ao dispor que ?Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução?

Ora, será executada a pena, portanto, depois de transitada em julgado a sentença; antes não. Deste modo, interpostos Recurso Especial e/ou Extraordinário, tem-se que a causa ainda está pendente de apreciação definitiva pelo Judiciário, inexistindo condição legal que permita a indevida execução provisória.

No já citado HC 84.677 do STF, é citada a lúcida observação do ministro Sepúlveda Pertence, que salienta que ?estaria proibido lançar, antes do trânsito em julgado da sen tença, o nome do réu no rol dos culpados, como se esta fosse a coisa mais importante do sistema jurídico?, mas, ?nunca se viu ou soube que alguém consultasse alguma vez tal livro!?. Com base nisso, conclui sua Excelência que ?Seria esse, outro tipo gritante de desproporcionalidade: sustentar a impossibilidade de manter o nome do réu no rol dos culpados, mas permitir que ele permaneça preso até que sobrevenha julgamento definitivo, o qual bem pode declará-lo inocente!?

Apenas adotando-se este posicionamento é que emprestando as palavras de Piero Calamandrei, em seu imortal ?Elogio dei giudici scritto da un avvocato? poderá ser certificado que ?o direito não é uma sombra vã.? Somente assim serão preservados bens fundamentais do acusado, como a liberdade, a dignidade e a honra, e o próprio Estado de Democrático de Direito, que constitui um dos fundamentos da República, na medida em que proporciona e estimula o exercício de uma jurisdição que põe a salvo as vítimas da opressão e da injustiça.

Beno Brandão (beno@dottieadvogados.com.br) e Alexandre Knopholz (alexandre@ dottieadvogados.com.br) são advogados, membros da Comissão de Advogados Criminalistas da Subseção de Curitiba e Região Metropolitana da OAB Subseção da OAB.

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