Transgênicos podem ser avaliados por dois órgãos

O Projeto de Lei de Biossegurança tem gerado inúmeras polêmicas a respeito de temas ligados à biotecnologia e das atribuições da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNBio, e criação do Conselho Nacional de Biossegurança ? CNBS.

As normas do Projeto receberam uma série de emendas e no tocante à liberação do transgênicos, estabeleceu um processo submetido à apreciação de dois órgãos:

? CTNBio ? órgão colegiado multidisplicinar, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, composto por 27 membros, entre especialistas (alguns indicados por ministros) e representantes de Ministérios. A atribuição é avaliar os riscos das atividades que envolvem OGMs (Organismos Geneticamente Modificados)

? Conselho Nacional de Biossegurança ? CNBS, o Conselhão, como órgão superior de assessoramento ao Presidente da República, composto de 10 ministros e um secretário especial da aqüicultura e pesca.

Um dos pontos em discussão é a liberação comercial dos OGMs, que caberá aos ministros do CNBS.

De acordo com a Lei n.º 8.974/95, para pesquisar transgênicos, a empresa deve requerer à CTNBio o Certificado de Qualidade em Biossegurança e fornecer uma série de informações técnicas do OGM, cujo projeto exige um largo investimento financeiro, e que passará por uma severa apreciação nos termos da Instrução Normativa 03/1996 da CTNBio. De qualquer maneira, a última palavra quanto à liberação para uso comercial dos transgênicos cabe à CTNBio.

Com o Projeto de Lei, apesar de alguma imprecisão de linguagem, entende-se que a CTNBio emitirá decisões técnicas sobre os aspectos de biossegurança dos OGMs e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa e do uso comercial. Caso entenda necessário, a CTNBio submeterá o pedido de liberação comercial à apreciação do CNBS para que se manifeste sobre os "aspectos de conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional" ? (art. 8º, § 1º, inciso II ? Projeto de Lei).

Os processos apreciados pela CTNBio poderão ser avocados pelo CNBS, que decidirá, "em última e definitiva instância" (art. 8º, § 1º, inciso III ? Projeto de Lei), quando julgar necessário ou mediante recurso interposto pelos órgãos e entidades de fiscalização e registro que divergirem da decisão técnica da CTNBio.

A mudança trazida pelo Projeto impacta diretamente no processo decisório de liberação comercial do OGM e, indiretamente, nos investimentos aplicados no desenvolvimento das pesquisas.

O que não parece adequado é que tal critério de conveniência venha a ameaçar aspectos técnicos e pertinentes, averiguados nas decisões da CTNBio, nos levando a conclusão de que os pedidos de liberação comercial dos OGMs estariam arriscados a uma longa e burocrática análise, sob critérios pouco definidos, criando, portanto, entraves ao desenvolvimento tecnológico do país e gerando uma conseqüente insegurança jurídica aos investidores.

É certo que a liberdade de decidir do CNBS encontraria seus limites no próprio ordenamento jurídico, tendo como base aspectos de conveniência, oportunidade socioeconômica e do interesse nacional do pedido. Neste contexto, o CNBS não poderia decidir sob critérios meramente políticos, infringindo princípios constitucionais, a exemplo do princípio da livre-iniciativa previsto no artigo 170, parágrafo único da Constituição Federal Brasileira, pelo qual: "É assegurado a todos, o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei."

Considerando o que temos vivenciado até o momento quanto à polêmica dos transgênicos, qual será a medida da "conveniência" à liberação de projetos envolvendo OGMs, face à possível influência de questões políticas e ideológicas que podem desviar o rumo do interesse social?

Em países como Estados Unidos, Canadá, China e Argentina, os produtos agrícolas geneticamente modificados contam com o apoio do Governo para o plantio, pesquisa e alguns foram aprovados para comercialização.

No Brasil a posição não é clara. Existe um debate dentro do próprio Governo Federal. De um lado, o Ministério da Agricultura parece favorável à questão, defende o grande desenvolvimento tecnológico do país. Porém, encontra resistência no Ministério do Meio Ambiente. Este alega potenciais impactos negativos que as plantações poderiam causar ao meio ambiente e eventuais problemas à saúde humana.

O conflito de idéias faz parte de um processo democrático e todas as posições devem ser respeitadas. No entanto, a aprovação do projeto deve levar em conta o maior consenso, uma vez que regras de maior aceitação da sociedade constituirão, dentro deste panorama, um grande avanço.

Legislar sobre fatos consumados como tem acontecido com a soja geneticamente modificada gera a sensação de impunidade e é uma prática que não agrada nenhum dos setores envolvidos, além de acarretar o perigo potencial de novas piratarias de sementes.

Pesquisas publicadas em revistas e jornais conceituados indicam que alimentos transgênicos são consumidos há anos por alguns países e, até hoje, nenhum problema drástico foi registrado.

Diante da diversidade de fatores que envolvem a questão dos OGMs, resta indagar se a análise dos pedidos de liberação comercial levarão em conta os esforços até então envidados pelos pesquisadores e investidores, de modo a evitar que a burocracia e questões políticas constituam fatores retardatários ao desenvolvimento tecnológico do país e esvaziadores dos investimentos despendidos.

Celso Umberto Luchesi e Marcia M. Elias são advogados.

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