Transgênicos: lobista ou cientista?

Ottawa abaixo de zero, mas tempo quente na reunião do Codex Alimentarius, que discutia rotular ou não rotular transgênicos. A delegação brasileira liderava o movimento anti-rótulo, desmentindo lá fora o que o governo jura em casa.

Jardim Botânico, Rio, semanas antes, no GT interministerial, que preparava instruções para a delegação em Ottawa, a representante do Ministério da Saúde e, segundo a Isto É, professora da Fiocruz, combatia a rotulagem e, assim, o direito do consumidor ser informado da origem e natureza do que come.

Questionada se votava por opinião pessoal ou sob orientação do ministro da Saúde ou, ao menos, da sua instituição, respondeu: “é… bem… às vezes converso com o pessoal da Vigilância, quando vou a Brasília”. Tempos depois apareceria em passeata de cientistas uniformizados, de camiseta preta, na foto de O Globo, protestando na Câmara contra projeto de lei da biossegurança.

O projeto foi alterado, pesquisas estão mais liberadas, mas uma sociedade científica, recém-criada, de Melhoristas Vegetais, antes mesmo de ter sócios e cobrar anuidades, promove uma rica distribuição de passagens aéreas de primeira linha, com hospedagem no Hotel Nacional de Brasília, para fazer nova passeata no Congresso.

Dessa passeata resulta manifesto, encabeçado pela Academia Brasileira de Ciências, clamando agora pela liberação comercial do plantio. No JB surge artigo, do delegado do Brasil em Ottawa, que se apresenta, no subtítulo, como: “da Academia Brasileira de Ciências”.

A Folha de São Paulo denuncia que, das trezes assinaturas do manifesto, várias sociedades científicas não haviam assinado nada. Quem assinou, como a SBCTA, não ouviu a Diretoria. Tem presidente de sociedade que alega ter assinado sem ler. E, dentre os que não leram, tem até presidente que defende a validade de assinar mesmo sem ler. Quatro dessas sociedades têm a presidência no Bloco 14 do campus da USP. Nenhuma ouviu a diretoria ou os associados. Duas delas têm, em seu website, logotipos e patrocínios de indústrias de alimentos interessadas na questão transgênica, como Sadia e Du Pont.

Programa de pós-graduação entra na lista como se fosse entidade representativa. E não poderia faltar a ANBio, criada e presidida pela mesma, coincidentemente, já citada representante do Ministério da Saúde no GT do Inmetro, e também ex-presidente da CTNBio. O manifesto, apresentado em nome da comunidade científica, contraria a posição oficial, escrita, debatida, continuada e assinada da SBPC.

Na CTNBio, ministérios usam todos os seus vários votos para liberar o plantio. Mas o ministro da Agricultura diz que não foi ele quem liberou, mas a CTNBio.

O presidente Lula diz que isso não é uma questão ideológica, mas tecnológica, e que ele hoje está cientificamente convencido. Mas em vez de repassar a decisão, que diz que é técnica, para os técnicos do Ibama e Anvisa, envia para a decisão política dos deputados e senadores. E então usa sua mão nada invisível para fazer triagem na composição das comissões, e para fazer chantagem nas votações.

O governo finge que lava suas mãos, dizendo que vai deixar tudo sob responsabilidade da mão invisível do mercado: “O consumidor lê o rótulo e decide, ele mesmo, se vai comprar e comer, ou não. É apenas uma questão de mercado”.

Para isso, o governo FHC fez normas de rotulagem de transgênicos. O governo Lula também. Foram decretos, instruções normativas, todo tipo de instrumento legal, mas apesar de tanta legislação, de tanta soja transgênica plantada e de tanta denúncia do Idec e do Greenpeace, ninguém nunca viu nenhum rótulo de transgênico no supermercado.

A penúltima legislação jurava que patê de salmão alimentado com ração transgênica seria rotulado como patê transgênico. A antepenúltima jurava que seria rotulada como transgênica a salsicha com apenas 0,01% de transgênicos, (se feita com 0,25% de soja com grãos 4,1% transgênicos). Mas a mais recente libera, sem qualquer aviso no rótulo, toda a margarina, todo pão de queijo, todo chocolate, todo alimento que contiver óleo ou lecitina de soja transgênica.

Que é de soja, continuará no rótulo. Mas que a soja é transgênica, isso não; ainda que contrarie direitos, que contrarie as juras, ainda que contrarie legislações feitas pelo Executivo e pelo Legislativo, poucas semanas atrás. Só uma coisa, nos rótulos, está bem à vista: tem muito lobista rotulado como cientista.

Luiz Eduardo R. de Carvalho (luizeduardo@ufrj.br) é engenheiro de alimentos e professor da UFRJ.

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