No mundo moderno buscamos constantemente coibir qualquer tipo de violação aos direitos dos cidadãos, contudo, a referida prática é extremamente complexa e uma das tarefas mais difíceis.
Apesar de todo avanço tecnológico, cultural e social ainda existem diversas situações de caráter retrógrado ao ser humano, como no caso do trabalho escravo.
Importante frisar que o contexto aqui abordado não se espelha na escravidão estudada na história, mas, infelizmente, na vivência atual na qual a riqueza engajada na mão de poucos se sobrepõe à angústia, o desespero e a ignorância de muitos.
Este tipo de trabalho ocorre independentemente do sexo ou idade, sendo propagado em todas as regiões demográficas e das mais diversas formas.
O trabalho escravo propriamente dito relaciona-se não só a cerceamento da liberdade, endividamento, vigilância armada, isolamento ou retenção de documentos, mas, principalmente, por situações em que sejam colocado o ser humano de forma degradante.
No trabalho escravo questões relacionadas à retenção de carteira de trabalho, falta de registro, excesso de jornada de trabalho e recebimento inferior ao mínimo legal, são uma das várias infrações e desrespeitos a Consolidação das Leis do Trabalho e a Constituição Federal.
Importante também frisar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, da qual o Brasil faz parte, é contrária a referida prática conforme artigos abaixo elencados:
Artigo IV- Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo XXIII- 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. A situação relativa ao trabalho escravo deixou de ser relacionada apenas aos ramos de mineração, carvoaria, lavoura, propagando-se também nas construções, conforme autuação e fiscalização efetuada pela Procuradoria Regional do Trabalho – 15.ª Região, no município de Monte-Mor no Estado de São Paulo, onde 12 pedreiros e ajudantes eram submetidos à escravidão contemporânea em uma construção de pedágio.
Portanto, pode ser verificado que a referida prática não se concentra mais em regiões de isolamento geográfico, mas em todo país. No mundo jurídico a referida repressão precisa ser feita em vários ramos do direito como na esfera civil, penal, trabalhista e ambiental. A Justiça do trabalho repele a referida prática de forma razoável, o mesmo não se pode dizer em relação às outras esferas.
No aspecto criminal além da delonga no término dos processos em virtude da oportunidade de serem efetuados diversos recursos, existe ainda uma grande discussão em torno da competência para julgamento, se o crime deve ser julgado pela justiça federal ou estadual.
A respectiva discussão relaciona-se ao fato do respectivo crime infringir a dignidade da pessoa humana, além de tratados, convenções, convênios e acordos internacionais, infelizmente, esta discussão encontra-se ainda no Supremo Tribunal Federal e enquanto nada é decidido cada vez mais existe a propagação do referido crime.
Já no aspecto civil também encontramos a burocracia, visto a Proposta de Emenda Constitucional do trabalho escravo (tendo como projeto a perda do direito sobre a terra de seu proprietário sem nenhuma indenização, caso verifique-se a propagação de trabalho escravo) estar parada a mais de 5 anos na Câmara dos Deputados, em virtude de restrições da bancada ruralista.
Infelizmente, não existe um trabalho preventivo da justiça através de acompanhamento das empresas ou empregadores que já foram fiscalizados, bem como existe um número insuficiente de pessoas para fiscalização, além das pessoas que passam por este tipo de situação não saberem como denunciar e quais são os seus direitos.
Enquanto não existem mudanças significativas não podemos continuar inertes, para tanto se faz necessário cada vez mais os empresários se preocuparem com a responsabilidade social e ambiental, verificando se seus fornecedores não estão inseridos no cadastro de empresas pertencentes à “cadeia produtiva do trabalho escravo no Brasil”.
Precisamos adotar na comercialização interna de nosso país as mesmas exigências de quando vendemos nossos produtos para o exterior, inserindo um selo demonstrando que o produto comercializado não fora produzido através de mão-de-obra escrava, pois, se não nos preocuparmos com isto e nada fizermos também somos co-responsáveis.
A luta em relação ao trabalho escravo não pode ser só direcionada para o governo, mas deve ser principalmente uma mobilização nacional entre toda comunidade, empresários, sindicatos, organizações governamentais e não governamentais, enfim, é uma responsabilidade social de cada um de nós.
Precisamos propagar a inibição desta forma degradante efetuada por pessoas inescrupulosas movidas pela ganância em detrimento dos menos favorecidos. A informação aos menos favorecidos sobre o abuso da referida prática e como pode ser efetuada a denúncia é primordial, podendo ser efetuada através de uma simples conversa, distribuição de folhetos, propaganda, enfim, difundir o respectivo assunto de forma abrangente.
O trabalho escravo fere não só princípios da Constituição Federal, Consolidação das Leis Trabalhistas, Legislação Penal, Civil, mas, principalmente, a dignidade de cada um de nós, portanto, precisamos nos unir para coibir esta prática.
Gislaine Barbosa de Toledo é advogada.