A Organização das Nações Unidas, nos últimos doze meses, montou uma eficiente máquina de divulgação em torno de supostos focos de trabalho escravo no Brasil.
Sendo nobre o objetivo, é natural que toda pessoa de bem se anime em colaborar e aplaudir a iniciativa. Contudo, diz o dito popular, que de boas intenções não é apenas o céu que está cheio.
Ou seja: para detectar com precisão um drama social e resolvê-lo de forma efetiva, não bastam emoções e boa vontade.
É preciso, em primeiro lugar, analisar o fenômeno. Principalmente do ponto de vista jurídico.
O trabalho escravo é aquele que o trabalhador exerce com submissão por dívida.
A remuneração do trabalho escravo não se dá em dinheiro.
A forma mais comum de como ele ocorre, é a que o “gato” oferece o serviço, em lugar mais ou menos distante de onde o trabalhador mora.
Estes serviços são aqueles sazonais e que surgem em época das colheitas, formação de pastagens novas, roçadas, corte de cana e carvoeiras medievais, onde inclusive, por vezes, recruta-se o trabalho infantil.
Ao trabalhador é ofertado o transporte, o alojamento e a alimentação, “troca” de roupa e botina, cujo fornecimento é todo cobrado, a valores incompatíveis com o do mercado, a ponto do trabalhador, deduzido os custos do fornecimento, não ficar com nada para receber.
Assim, ele vai trabalhando até o término dos serviços, e no acerto de conta com a “venda” da fazenda, quando muito, tem direito ao transporte de volta.
Vê-se que este é trabalho escravo porque torna o trabalhador um submisso por dívida, retirando-lhe o direito de ir e vir, do convívio com a família e até de garantir ou ajudar no sustento dela.
Este trabalho degradante, sub-humano, configura um horror que não deve subsistir no campo.
Os agentes desta conduta não merecem condescendência.
Porém, não se há que confundi-los com os agropecuaristas sérios, sob pena de se estar a fomentar a mentira, o engodo e o caos.
A mídia dá tanta relevância à conduta destes devastadores, que passa para a sociedade uma imagem negra e aviltante, mascarando tudo de bom que os verdadeiros agricultores e pecuaristas fazem em tecnologia para ganho em produtividade.
É usual que equipes de fiscais do Ministério do Trabalho entrem em uma Fazenda e a vasculhem atrás do referido labor degradante, mas não o encontram. Todavia, um pequeno deslize de natureza trabalhista, como a ausência de uma secundária anotação na carteira de trabalho, é o bastante para se transformar em criminosa imputação de servidão irregular.
Os agricultores e pecuaristas verdadeiros não se opõem ao clamor contra o trabalho escravo.
Entendem correta a desapropriação da terra onde ele é utilizado, mas é preciso que se conceitue verdadeiramente o que é trabalho escravo, ou seja, o sem remuneração em pecúnia, degradante, subhumano, retirante da liberdade e gerador da miséria do bolso e da alma do trabalhador.
No campo, em muitas regiões, a fiscalização inconseqüente ao trabalho escravo está afastando a possibilidade de contratação de serviços rurais sazonais, aliás, geradores de algumas milhares de vagas com bons ganhos, como a colheita de café, as roçadas de pastos, por exemplo.
Da forma meio tresloucada e desmesurada como está sendo levada a cabo a perseguição ao trabalho escravo, a contrário de ajudar, está afugentando a mão-de-obra terceirizada.
Ao invés de ajudar a ação pública, ela prejudica os rurícolas que precisam de trabalho sazonal para a subsistência.
Os bons agricultores estão, muitas das vezes, em nome da busca da produtividade e geração de mão-de-obra sazonal digna, sendo vítima de infame perseguição discriminatória da mídia, sobre o tema de de trabalho escravo. Aliás, isso ocorre porque falar das mazelas e desmandos no campo dá mais audiência do que falar de conduta sã.
É preciso definir que só é trabalho escravo aquele que leva o trabalhador à condição análoga a de escravo, isto é, quando a vítima for submetida a trabalhos degradantes, submissão por dívida decorrente das condições laborais, não pagamento em dinheiro, restrição ao direito de locomoção. O seu conceito está contido na Lei 10.803 de 11 de dezembro de 2003, que é:
“Art. 1.º O art. 149 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:”
Alguém ou algum Órgão da Administração Pública precisa se pronunciar a respeito, até para que o campo continue a usar a mão-de-obra do trabalhador nos serviços sazonais e não a substitua só por máquinas e herbicidas.
Antes que o caos se aprofunde, vale a pena um pronunciamento do Ministro ou do Ministério do Trabalho. É o que esperam os agricultores e agropecuaristas.
Diamantino Silva Filho
é advogado.dsf.ura@diamantino.adv.br