A tradição no Brasil, desde que criada a Consolidação das Leis do Trabalho e outros diplomas correlatos, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e o PIS-Pasep, é a do trabalho organizado. Essa organização leva à melhor divisão do trabalho, de acordo com as necessidades econômicas do País, da população economicamente ativa e à formação de um arcabouço de proteção. Tal conjunto de leis distancia a relação de emprego da escravidão, da servidão e da exploração, estabelecendo um contrato coletivo ou individual entre empregadores e empregados, geralmente aquele, lastreado por leis mais ou menos rígidas, que formam um colchão de amortecimento dos choques sociais, inevitáveis num país capitalista ainda subdesenvolvido.
Essa organização, imperfeita, porém necessária, vem se deteriorando a olhos vistos no Brasil, onde neste ano de 2003 o número de trabalhadores informais, ou seja, sem carteira assinada e, portanto, sem as garantias legais, chegou a 42,7% do total de empregados. São trabalhadores por conta própria, camelôs, quebra-galhos, gente que sobrevive dos mais variados biscates. Essa cifra é apenas 0,9 ponto percentual menor do que a legião dos trabalhadores com carteira, que são 43,6%. É a maior proporção de trabalhadores sem carteira desde que o IBGE começou a fazer a pesquisa de emprego, no ano de 2001.
A soma alcança os 100%, pois precisamos considerar ainda outras categorias, como funcionários públicos, empregadores e não remunerados, como pessoas que trabalham em empresas familiares, não recebendo salário. Uma das conseqüências desse quadro de informalidade crescente é a baixa filiação ao INSS e, conseqüentemente, sua insuficiente arrecadação. Outra, é uma revelação: o desemprego já é tão grande quanto o emprego e, diante dessa situação de oferta tão maior que a demanda, a tendência é o achatamento dos salários, o que aliás vem sendo estatisticamente verificado. Seguem-se a retração no consumo e as dificuldades para promover o desenvolvimento econômico com maior produção.
Num país como o nosso, em que há uma tradição de paternalismo e as massas trabalhadoras estão acostumadas à proteção legal, aliás necessária, o quadro é aterrador. É a semente da desorganização do trabalho, da falta de assistência social, educacional e médica para a metade da massa trabalhadora, é uma falha que impede o planejamento do desenvolvimento econômico. Ainda temos de considerar que temos uma grande massa de jovens à procura ou espera do primeiro emprego, o que se tenta resolver com legislação de incentivos, em hora errada, pois há muitos trabalhadores que perderam seus postos de trabalho e aqueles poderão vir a ocupar seus lugares.
Não obstante, vez ou outra algum político ou autoridade fala em estimular a informalidade ou afrouxar a legislação trabalhista. Dentre eles, o próprio ministro do Trabalho. O que nos parece essencial para a retomada do desenvolvimento é a organização plena do trabalho e a sua regulamentação total. Elas admitem alguma flexibilidade, mas o que não podem é dividir-se entre os que trabalham ao deus-dará e os que se escudam num diploma legal, a CLT, que já está a reclamar uma profunda revisão.
O trabalhador precisa, em contrapartida de seu labor, a remuneração e outras garantias. Precisa, também, da certeza de que, desempregado, terá à disposição não um carrinho de pipocas e fiscais abusando de sua fragilidade. Precisa, sim, do trabalho com carteira assinada, regulamentado e protegido.