Trabalho ?agitativo?

É muito bom e bonito falar em participação da sociedade enquanto a sociedade não participa. Quando ela começa a participar, desestabiliza hábitos burocráticos e conceitos já arrematados. A constatação é do ministro-chefe da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Social, Tarso Genro, que até hoje não descobriu (e se descobriu, não diz) exatamente qual o papel do órgão que coordena, tido e havido, pelo menos no discurso, como de estruturação do novo contrato social e do pacto político no Brasil.

Que as coisas não vão bem, ele sabe. Dias atrás, um empresário chamado Lawrence Pih, integrante do conselho que reúne 90 ilustres pessoas vindas de diversos setores da sociedade brasileira, saiu dizendo que não tem tempo para perder. “O conselho era uma boa idéia, mas virou um prato feito”, lamentou ele, referindo-se às limitações impostas ao órgão colegiado de cima para baixo. Com efeito, discute-se em Brasília e alhures um pouco de tudo, mas o conselho foi “aconselhado” a cuidar do longo prazo. Isso significa deixar de palpitar sobre temas candentes para empresários, cidadãos e consumidores, como taxa de juros, acordo com o FMI, alimentos transgênicos e outros, incluindo aí a reforma tributária, que já virou remendo. A “intromissão” da sociedade no governo – diz o gaúcho Tarso Genro -, não foi idéia sua…

Ora, é um pouco cedo demais para que o governo do PT ceda à “lógica do poder” – como avalia Genro – para explicar esse fenômeno de mutação que acaba distanciando o movimento social no qual se apoiava o PT, quando na oposição, das áreas de decisão do poder, ora nas mãos do PT. Fica mais claro, assim, que entre o discurso e a prática há, de fato e sempre, um profundo abismo. Dias atrás, por exemplo, falava-se em Brasília na continuidade do processo de privatização de bancos oficiais, um tema que, à última hora, decidiu eleições como a do vizinho Estado de Santa Catarina. Que dizer à parte eventualmente majoritária do eleitor barriga-verde quando o negócio da venda estiver, de novo, sendo fechado? Provavelmente alguém fará outra vez a apologia das virtudes da mudança, esquecendo que na mudança em tela existe o lado de traição ao eleitor que esse comportamento implica.

O mais impertinente de tudo é que essa nova guinada silenciosa nos meandros do poder comandado por Lula aflora na linguagem de Tarso Genro com naturalidade: “Há questões técnicas, que não podemos nem devemos controlar”, conforma-se o ministro sem pasta, para admitir que, independentemente de sua vontade, o trabalho do conselho, que será “reformatado” (sic), “tornou-se mais ?agitativo? (sic) por causa dos assuntos relacionados ao crescimento e aos efeitos colaterais das medidas adotadas. Depreende-se, assim, do raciocínio exposto que encaminhar reivindicações, apresentar propostas, ou – num termo mais chulo – “bater boca” em busca da satisfação de objetivos e necessidades é, na linguagem da nova era da esperança, agitação. Ou melhor, “trabalho agitativo”…

Ora, o que interessa ao Brasil, em última instância, é o desenvolvimento econômico, o crescimento de sua indústria, de seu comércio, de sua cultura e de seu povo. Se discutir isso é agitação, então feche-se o conselho (mandando para casa todos os ilustres convocados) e todas as demais instâncias criadas para dar voz à mesma sociedade que, na outra ponta, é convocada à doação generosa, e imediata, para alavancar o programa Fome Zero. Cuidar do longo prazo – ou olhar o horizonte sempre à distância, como gosta de fazer o Lula de agora – é coisa que já está cansando a paciência dos brasileiros que apostaram suas fichas e votos nele exatamente esperando mudança para melhor. Ou esse novo “contrato social”, “pacto político” ou seja lá que nome tenha, é para valer, ou desfaçam-se as aparências sem compromisso com a realidade.

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