Lideranças sindicais engajadas e membros do atual governo – o ministro Ricardo Berzoini, do Trabalho, à frente – iniciaram campanha pela redução das horas extras e também da jornada de trabalho. O raciocínio deles é simples: trabalhando menos, abrem-se mais vagas. E isso, na visão oficial, será muito bom para o discurso do governo, que prometeu dez milhões de empregos novos em quatro anos sem saber se podia cumprir.
Antes que o argumento avance para a área legislativa, onde fatalmente enfrentará algum debate, é bom que se reflita mais a fundo. O que gera emprego é o negócio certo, a economia aquecida, o crescimento em ritmo de espetáculo. O contrário serve para encolher. Oportunidades e empregos. Vai daí que a tese abraçada pelo governo pode ser um tiro no pé.
Alguns dados do Velho Mundo confirmam esse perigo. Em toda a Europa (à exceção da Itália), nos últimos anos, trabalha-se menos. Alarmados com o crescimento dos índices de desemprego, que de longe não podem ser comparados aos nossos, muito maiores, países como a Alemanha, a Inglaterra, a França – só para citar alguns – reduziram a jornada de trabalho. O resultado foi o contrário do esperado: os índices de desemprego continuaram subindo. E continuam alarmando governos, a tal ponto que países como a França já passam a antiga idéia por revisão, sob proposta de trabalhar mais. Já nos Estados Unidos, onde a jornada de trabalho é maior que em toda a Europa, os índices de desemprego, sempre menores, cresceram proporcionalmente menos que no Velho Mundo.
Mas há um outro fator a considerar. Na Europa, a legislação trabalhista é mais exigente que nos Estados Unidos. Novamente aqui o exemplo do Velho Mundo induz à observação de que quanto maiores as exigências, menor o estímulo a novas ofertas. Mais ou menos como acontece no Brasil, onde se procurou distribuir direitos sem perceber que a distribuição assumia, cá e lá, característica de proibição. A carga social sobre os empregos formais fez crescer a informalidade. Pela via do desemprego e pela via da sonegação pactuada de direitos – um pacto nem sempre contestado pelos que precisam do trabalho para sobreviver.
Como sindicalista que foi (e o presidente Lula diz que era dos bons), o ministro Ricardo Berzoini deveria caminhar no sentido oposto. Não exatamente ampliando a jornada de trabalho atual, mas colaborando para tecer o argumento segundo o qual, numa economia sadia e em crescimento, as ofertas acontecem naturalmente. Por enquanto, os parcos indícios de melhora em nossa economia podem não passar, como se costuma dizer, de “bolhas de crescimento”. E empreendedor nenhum haverá de abrir temporada de novas contratações sem ter certeza de que poderá, lá na frente, agüentar o rojão. Prefere, então, até que a bolha passe, contratar horas extras. E ainda ser agradecido pela melhora na remuneração de seus colaboradores em tempo de vacas magras. Ou de Natal.
O envolvimento do governo neste assunto, é claro, tem a ver com sua incômoda promessa de gerar novos empregos à mancheia, isto é, com a questão social ainda não adequadamente enfrentada. Até aqui não conseguiu sequer demonstrar que será possível realizar o prometido e, então, lança mão de um discurso intervencionista, como que a abrir caminho na marra. Mas governo algum – nem esse que aí está – terá sucesso duradouro ao determinar como devem proceder os empreendedores. A menos que o governo fique também com os riscos do negócio.
Em vez de trabalhar menos, esse Brasil de tantos feriados precisa é de mais trabalho. A começar pelo governo que, como se vê, está sempre procurando encarar o problema pelo lado mais fácil, seguramente não o mais eficiente. Na iniciativa privada, ao contrário do que ocorre no empregador-governo, sem produção não há faturamento; sem faturamento, não há salário. Então, o melhor que o presidente Lula pode fazer é encaminhar a conversa para a reforma da legislação trabalhista dentro de ambiente mais flexível. Talvez isso ajude pelo menos no ensaio do espetáculo do crescimento há tanto esperado.