Multa do Art. 477 da CLT –

1. Introdução

Talvez pela própria origem da figura do trabalhador doméstico, e a ampliação de direitos consagrada pela Constituição em vigor (art. 7.º, parágrafo único, da CF/88), tem havido resistência, na doutrina e na jurisprudência, em efetivar benefícios que dimanam das leis ordinárias para os trabalhadores urbanos e rurais em geral.

Por isso, Carrion afirma a necessidade que se tem de “levar o intérprete a uma exegese criativa. Assim, enquanto não houver lei que complete certos dispositivos simplesmente enunciados pela Constituição, tem que se aplicar o instituto deferido para outros sujeitos ou situações, tal como ele já está em vigor” (CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 44).

2. Aplicabilidade da multa do art. 477 para os domésticos

Alguns julgados põem obstáculos à aplicabilidade, ao doméstico, das regras do art. 477 da CLT, afirmando que essa categoria de empregados só tem os direitos expressamente previstos na Lei 5.859/72; e no art. 7.º, parágrafo único, da CF/88, em face da restrição imposta pelo art. 7.º, alínea “a”, da CLT” (DECISÓRIO TRABALHISTA, edição n.º 1, janeiro/95. Curitiba/PR: Decisório Trabalhista, 1995. p. 134/136, e, também, Síntese Trabalhista, n.º 67, janeiro de 1995, Porto Alegre – RS, 1995. P. 65), como se observa pelo citado assim:

“DOMÉSTICA. SALÁRIO MATERNIDADE. MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT. A empregada doméstica gestante tem direito ao benefício previdenciário (art. 7.º, XVIII, CF). Não faz jus, entretanto, à multa prevista pelo artigo 477 da CLT, eis que não inserida dentre os direitos elencados no artigo 7.º, parágrafo único da CF/88” (TRT-PR-RO 1.212/00. AC 21.620/00. Rel. Juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão. DJPR 29.9.00).

O próprio C. TST, num primeiro momento, externou esta posição, como se pode constatar no AC. 803/96, RR 130647/94, DJ 19.04.96, Rel. Ministro Vantuil Abdala.

Dentro, entretanto, de ótica que nos parece mais realista, consentânea com o direito, temos o julgado que bem demonstra nosso pensamento, assim:

“DOMÉSTICOS – APLICAÇÃO DA CLT – MULTA DO ART. 477 DA CLT, PARÁGRAFO 8.º. Embora a Constituição Federal tenha concedido aos domésticos apenas alguns dos direitos outorgados ao empregado comum, a CLT lhes é aplicável quase por inteiro. É que cada um daqueles novos direitos provoca ou atrai a incidência de outros, nem sempre pressentidos. Tal como na natureza, entrelaçam suas raízes, vivendo numa espécie de simbiose. Assim, cabe a aplicação da multa do art. 477, parágrafo 8.º, da CLT. TRT 3.ª R. – RO 6.384/95 – 4.ª T. Rel. Juiz Márcio Túlio Viana – DJ/MG 17/11/95” (Revista Síntese Trabalhista, n.º 80, fevereiro/96. Porto Alegre, RS: Editora Síntese, 1996. p. 49).

De forma irretorquível, o acórdão, em seus fundamentos, traz à tona a realidade que o intérprete precisa, para compreender o significado do direito, dessa maneira:

“… Antes mesmo da nova Carta, já havia contrato de trabalho entre o doméstico e o tomador de seus serviços. Era (e é) doméstico um empregado com todas as letras, embora menos protegido.

Como se fez notar, esse contrato é a esfera em cuja órbita gravitam os vários direitos assegurados aos domésticos. E como a Lei 5.859 é extremamente pobre na matéria, impõe-se a aplicação subsidiária da CLT.

Caso o entendimento fosse contrário, os empregados domésticos ficariam à mercê dos patrões contando com a boa vontade destes, que quitariam as verbas rescisórias quando bem entendessem, o que seria inadmissível…” (Idem, ibidem. p. 52/53).

3. Conclusão

Apesar da longa oposição, desde a edição da Lei n.º 7.855, de 24.10.89, DOU 25.10.89, felizmente hoje o C. TST já revê, de forma clara, a posição restritiva:

“EMPREGADA DOMÉSTICA – PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS – MULTA – APLICABILIDADE DO ARTIGO 477 DA CLT. A partir do momento em que o constituinte assegurou à empregada doméstica uma série de direitos trabalhistas, conforme claramente resulta do artigo 7.º, parágrafo único da Constituição Federal, razoável juridicamente a conclusão de que, paralelamente, os dispositivos infraconstitucionais disciplinadores de pagamento, prazo e de multa dessas obrigações legais pelo empregador devem ser aplicados à relação jurídica. Admitir-se o contrário, data venia, seria relegar princípio de lógica jurídica comprometedora do próprio direito material, na medida em que o empregador poderia procrastinar o cumprimento da obrigação, porque não sujeito a nenhuma cominação. Ora, referido entendimento não se compatibiliza com o ordenamento jurídico, que consigna que a todo direito corresponde uma obrigação e, mais que isso, que não pode o credor ficar a mercê do devedor, sem possibilidade de coagi-lo a adimplir a obrigação no tempo e forma ajustada. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido” (AC-RR 492134/98. 4.ª T. Rel. Min. Milton de Moura França. DJ 18.2.02).

O direito é lógica, bom senso. Portanto, se o empregado doméstico tem direitos trabalhistas previstos em lei, e na Constituição, é óbvio que deve haver prazo para quitá-los. Por isso a necessidade obrigatória de aplicação do art. 477 da CLT, especialmente no que diz respeito ao prazo para pagamento das chamadas verbas rescisórias (parágrafo 6.º), cabendo-lhe a multa se estas são pagas a destempo (parágrafo 8.º).

Luiz Eduardo Gunther é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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