Tormenta andina

Passado o momento em que o presidente Lula referendou como ato de soberania o decreto supremo de Evo Morales, determinando a nacionalização das reservas de petróleo e gás natural e a ocupação por tropas do Exército das plantas produtoras de petróleo e gás natural operadas em território boliviano por empresas estrangeiras, entre elas a Petrobras, o governo dá mostras de certa nostalgia pelo pragmatismo responsável em política externa, uma das marcantes características adotadas pelo Itamaraty nas últimas décadas.

Lula foi à improvisada cúpula de Puerto Iguazú, na fronteira com a Argentina, na qual, juntamente com os presidentes Morales, Kirchner e Chávez, permutou as primeiras impressões sobre o acontecimento, empenhando total solidariedade ao desassombro do companheiro boliviano. Poucas horas depois – e Lula deve ter-se sentido imensamente magoado -, transpirou a informação do entendimento preliminar entre Evo, Chávez e Fidel Castro, em Havana, sem que o governo brasileiro sequer fosse informado da decisão de assumir o controle da produção e comércio dos hidrocarbonetos, aliás, compromisso de campanha do líder nacionalista que chegou à presidência da Bolívia.

Nesse momento, negociadores da Petrobras e ministérios de Minas e Energia e Relações Exteriores, este um setor que o governo não conseguiu manter coeso, tal é a multiplicidade de conselheiros do presidente em questões de política internacional, estão conversando com autoridades do governo do país vizinho com o desiderato de encontrar as soluções menos traumáticas para o rumoroso imbróglio. Na pauta imediata está a indenização que a Petrobras pretende receber pela expropriação de seus bens físicos na Bolívia, onde realizou investimentos de US$ 1,6 bilhão em duas grandes refinarias localizadas na região de Santa Cruz de la Sierra.

Segundo o governo boliviano, a Constituição vigente, que será substituída a partir de 6 de agosto com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, não prevê o pagamento da respectiva indenização, porquanto os contratos de exploração de petróleo e gás natural por empresas transnacionais não foram aprovados pelo Congresso. Outro dado em análise diz respeito ao aumento de 61,34% no preço do gás comprado pela Petrobras, cujo volume diário alcança 25 milhões de metros cúbicos, a metade do consumo interno brasileiro. Além de ser a maior produtora do país, a Petrobras é a maior compradora do combustível e, em conseqüência, a empresa que mais recolhe impostos ao tesouro boliviano. Só agora, no entanto, o governo descobriu que ela operava mediante ?acordos ilegais?, mesmo gerando empregos e ajudando o país vizinho a se desenvolver.

O presidente da estatal brasileira, José Sérgio Gabrielli, referiu-se a um prazo de 45 dias (funcionários bolivianos duvidaram), para o pagamento da indenização. Caso contrário, a discussão será levada ao Tribunal Internacional de Nova York.

A tormenta nacionalista liberada por Evo Morales tem espaço para a reforma agrária e a primeira lufada já ocorreu: a Madeireira Caramuru, pertencente a um empresário brasileiro, terá 15 dias para se retirar da área ocupada há mais de trinta anos no Departamento de Pando, região de fronteira com o Acre, ao que parece sem nenhum empecilho de ordem legal. Cerca de cem produtores brasileiros são responsáveis por 35% da safra boliviana de soja, mas há uns dois mil agricultores em situação ilegal nas regiões fronteiriças. Os ventos andinos sopram com força e requerem ação efetiva do governo brasileiro.

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