1. A origem. O documento que identifica o trabalhador surgiu na França, no tempo das Corporações, em benefício do aprendiz, mas permanecia com o mestre, que só o restituía findo o contrato de aprendizagem e com o pagamento do ensino prestado.
2. A importância. Embora se diga, habitualmente, carteira de trabalho, deve-se nominar de Carteira do Trabalho e Previdência Social, conhecida pelas iniciais, CTPS, o documento indispensável, e obrigatório, para o exercício de qualquer emprego (da identificação profissional, CLT, arts. 13 a 56).
3. A entrega e a devolução. A primeira providência do trabalhador, ao iniciar os serviços, é apresentar, contra-recibo, a CTPS ao empregador, para que nela sejam anotadas: a data de admissão, a remuneração e condições especiais se houver. A empresa é obrigada a realizar as anotações e a devolver o documento, no prazo limite de quarenta e oito horas, sob pena de procedimento administrativo pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT), inclusive multa (CLT, 29 e 53).
4. Anotações necessárias. As anotações na CTPS devem ser feitas na data-base, a qualquer tempo por solicitação do trabalhador, no caso de rescisão contratual ou necessidade de comprovação perante a Previdência Social (CLT, 29, parágrafo 2.º).
5. A anotação da CTPS é regra de ordem pública. É irrelevante que a ausência de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) tenha como motivo pedido do próprio empregado, vez que é de ordem pública e natureza cogente a determinação contida no artigo 29, e parágrafos, da CLT, sobre a matéria.
6. Proibição de anotações desabonadoras sob pena de multa. Proibiu-se expressamente ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado, sob pena de imposição da multa prevista no art. 52 da CLT (Lei n.º 10.270, de 29-08-01, que acrescentou os parágrafos 4.º e 5.º ao artigo 29 da CLT).
7. O que são anotações desabonadoras e conseqüências. Anotações desabonadoras na CTPS são todas aquelas que possam impedir o acesso do trabalhador a novos serviços, gerando, como conseqüência: (a) a possibilidade do juiz do trabalho determinar a seu cancelamento; (b) quando vigente o vínculo, dar causa à rescisão indireta, com fundamento no art. 483, letra “d”, da CLT; (c) constatada a violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, decorrentes dessa anotações, indenização por dano moral (CF/88, art. 5.º, X), em valor a ser arbitrado, tendo em vista a condição de quem paga e a extensão da ofensa.
8. Aplicação subsidiária dos artigos 287 e 644 do CPC. Não se aplicam ao processo do trabalho os artigos 287 e 644 do CPC, uma vez que a CLT estabelece que a Vara determinará a feitura da anotação da CTPS pela Secretaria, transitada em julgado a decisão (CLT, 39 e parágrafos), afastada a possibilidade de a empresa ser condenada a fazê-lo, sob pena de multa diária.
9. Hipóteses possíveis de indenização por dano moral: ausência de anotações obrigatórias; registro de informações desabonadoras; extravio do documento. Nas hipóteses em que a empresa, relativamente à CTPS do trabalhador, (a) não faça as anotações obrigatórias, (b) registre informações desabonadoras ou (c) extravie o documento de identificação profissional, é possível seja fixada indenização por dano moral pela Justiça do Trabalho desde que comprovados (I) – ato culposo do empregador ou seus prepostos, bem como (II) – a violação de bens incorpóreos da personalidade, atingindo diretamente a vida privada, a honra e a própria imagem do trabalhador (art. 5.º, X, da CF/88), de tal modo que (III) – lhe cause constrangimento e reprovação social, aplicando-se, subsidiariamente o artigo 159 do Código Civil, em valor a ser arbitrado, sem qualquer vinculação ao salário mínimo (vedação do art. 7.º, IV, da CF/88).
10. Anotações decorrentes de erro. Inexistindo má-fé, fraude, ou intuito de prejudicar, pode acontecer que as anotações lançadas na CTPS resultem de erro quanto à realidade contratual. Essa hipótese não poderia gerar, como de fato não gera, qualquer direito àquele que recebeu a anotação indevida em seu pretenso benefício.
11. Falsidade ideológica e conseqüências. Diferentemente, contudo, é a hipótese dolosa, quando o empregador e o empregado, em conluio, praticarem atos de falsidade ideológica para fraudar terceiros. Estando inequívoca a fraude à lei, cometida pelos dois pólos da relação, esse desvio da lei não pode gerar qualquer direito. Registre-se que o empregado, nessa situação, não tem amparo jurídico para ser bem-sucedido em juízo, quando confirmado que praticou o ato em manifesta fraude à lei.
Luiz Eduardo Gunther é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.