Com pouco mais de um terço da preferência dos votos apontados pelas pesquisas eleitorais, o tucano José Serra não entrega os pontos. Diz que ainda acredita na vitória, esperando uma sensacional virada. O anúncio, em muitos ouvidos, soa como piada, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva já comemora e se prepara para o governo de transição, que começa imediatamente. Apesar das certezas de cada candidato, a palavra final é do eleitor, que, hoje, decide o futuro da nação e, em muitos estados, como o Paraná, sela também os compromissos estaduais para os próximos quatro anos. O clima é de festa para alguns, luta final para outros, mas, também, de angústia natural que antecede as grandes decisões. Em eleição, dizem as velhas raposas da política, só é feio perder.
Talvez seja por isso que, falando quinta-feira no Rio de Janeiro para empresários e câmeras de TV, o presidente Fernando Henrique Cardoso achou um jeito novo de driblar a anunciada derrota de seu candidato: vença quem vencer disse ele o grande vencedor é o povo brasileiro. Lorotas de estadista, que, entretanto, precisam ser consideradas à luz do que virá a seguir: o Brasil de fato amadureceu, ou apenas, sem medo, decidiu sair em busca de um rumo novo?
É inútil repetir aqui que o eleitor precisa refletir com tranqüilidade e muita responsabilidade antes de apertar a tecla “confirma” das máquinas de votar. Cada candidato já pediu isso à exaustão. Também é despiciendo o conselho de pensar no melhor para o futuro, incluindo filhos, netos e bisnetos. Ninguém quer o pior para si e para os seus. Com qualquer resultado, entretanto, o Brasil nunca mais será o mesmo depois de tantas promessas e o despertar de tantas esperanças, através da arte de vender (e comprar) chamada marketing.
Gostariam os brasileiros mas é pouco provável que as coisas mudassem de fato. A reforma da Previdência, do sistema tributário, do Judiciário, a reforma política para atropelar acomodações e negociatas em nome do povo; as oportunidades de emprego, escola, moradia; a insegurança na rua e em qualquer lugar; a falta de crédito e de dinheiro (que, se não traz felicidade, faz a diferença entre felizes e infelizes) são motivações colocadas pelos candidatos para a decisão do voto de cada eleitor. O PT de Lula, por exemplo, promete a reforma tributária em seis meses. Promete também acabar com o rombo da Previdência. Mas não foram as corporações unidas em torno de sua estrela que impediram as mudanças já antes iniciadas?
Se vencermos todos, como quer FHC, por qual motivo já se trama oposição nas hostes do PSDB, que busca aliciar nomes já conhecidos, como o derrotado Ciro Gomes, além do velho PMDB de tantas incongruências? A reorganização partidária será inevitável, mas também inevitável será a reorganização em torno do novo governo, com adesistas, oportunistas e sinceros colaboradores. Estes serão frustrados pelo turbilhão de interesses que haverá de desaguar nas exigências de cada cabo eleitoral sejam antigos companheiros ou admiradores de ocasião, como a legenda de Antônio Carlos Magalhães, da Bahia, ou o magoado José Sarney, do Maranhão.
Sim, seríamos todos vencedores se, encerrada a disputa, houvesse de fato um grande pacto em torno dos grandes interesses (e problemas à exaustão examinados) do Brasil e dos brasileiros. Mas a vitória de cada um pode nada ter a ver com o projeto de construção, pregado durante a campanha com um olho afiado sobre os escorregões do adversário. Eis a questão.