Os costumes políticos no Brasil lembram os tempos do Império. Mas os apreciadores da história também localizam resquícios tanto nos primórdios quanto em épocas mais recentes da República. A esperteza herdada dos barões e viscondes tupiniquins foi capaz de inventar a insuperável votação a bico de pena. Ou seja, os eleitores eram dispensados do maçante exercício de comparecer aos locais de votação e, de bom grado, transferiam aos esbirros dos senhores de senzala transmutados em coronéis da política o direito republicano do voto individual.

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Eram eleitos para as funções legislativas os apadrinhados dos coronéis, e o sistema do bico de pena para isso funcionava às mil maravilhas, porquanto jamais houve em quaisquer dos mais longínquos distritos do território indicação contrária ao gosto pessoal dos coronéis. Assim, eram mantidos nas vereanças municipais e assembléias e, em instância superior na Câmara e no Senado, os afilhados da inteira confiança dos chefes políticos regionais.

Durante muitos anos a eleição a bico de pena funcionou também para a escolha dos governadores, dando origem em algumas regiões a verdadeiros feudos de poder atribuídos a determinadas dinastias, especialmente no nordeste, onde as famílias Maia, Rosado, Mariz, Agripino, Melo, Cavalcanti e Magalhães são facilmente lembradas porque sempre tiveram um de seus membros nos palácios governamentais.

Aos poucos o coronelismo sertanejo foi varrido pelo vento da renovação, resistindo hoje nas alquebradas figuras que logo deverão ser arquivadas, em definitivo, da vida pública. Contudo, deixam filhos e netos que deverão subsistir por mais algum tempo até serem, por sua vez, afastados pelo voto não necessariamente induzido pela sanha ilimitada dos derradeiros coronéis.

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Por essas e outras, não se pode duvidar da veracidade mostrada pelos resultados da pesquisa Datafolha constatando que 57% dos eleitores não conseguem lembrar em quem votaram para as assembléias e Câmara dos Deputados em 2002. O percentual elevado, sobretudo nas categorias de baixa escolaridade, leva-nos por vias oblíquas e para efeito de comparação a pensar numa edição atualizada do voto a bico de pena, como sempre obtido em troca de badulaques, cuja distribuição foi, tardiamente, diga-se de passagem, transformada em crime pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Como não é possível controlar todos os artifícios utilizados pelos candidatos, por exemplo, a força irrefutável do dinheiro vivo por baixo do pano, muitos ainda haverão de faturar os milhares de votos necessários para obter a cadeira nos legislativos estaduais e federal, utilizando o asqueroso expediente. Apesar das advertências oportunas da Justiça Eleitoral e, aí está a revelação mais importante da pesquisa, a maioria do eleitorado não se preocupa, sequer, com o fato de conhecer a pessoa a quem vai transferir a prerrogativa de agir em seu nome. E, tampouco, de evitar que tantos tenham metido os pés pelas mãos no imenso chiqueiro do mensalão e das ambulâncias superfaturadas.

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Com a messe de candidatos que não resistiriam a um ligeiro exame no distrito policial da esquina, todo cuidado é pouco.