Todos os brasileiros anseiam por ter uma magistratura da melhor qualidade. É uma aspiração absolutamente legítima querer que o seu caso seja examinado por juiz bom, imparcial e bem preparado. Se em um primeiro momento esta é uma conclusão fácil, em uma segunda reflexão se verá que as aspirações não são exatamente as mesmas. E em um terceiro momento, como fecho dos dois primeiros, cumpre pensar em como escolher os que queiram ser magistrados. Vejamos.

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Primeiro, é preciso refletir sobre o que é o ideal, aproximado, de um grande juiz. E quando falo no masculino, por óbvio, estou me referindo a eles e a elas. Apenas não uso o “he or she” dos americanos porque é extremamente cansativo. Mas as juízas, evidentemente, fazem parte de todas as considerações aqui feitas.

Um bom juiz é o que reúne as seguintes qualidades, como forma de ter ou ser: a) trabalhador e rápido para decidir; b) afabilidade no trato e respeito com o próximo; c) boa cultura jurídica e geral; d) disposição física para enfrentar os milhares de processos que lhe são submetidos; e) sensibilidade para perceber e tratar com amor os dramas humanos que lhe surgem à frente; f) coragem para decidir com independência e recusar qualquer proposta de favorecimento; g) administrar bem a Vara e os processos; h) manter sob controle a vaidade e a ambição como estímulos para o aprimoramento, mas não como justificativa para sobrepor-se aos outros e i) força física e espiritual para suportar e superar os obstáculos da carreira e os embates da vida.

Evidentemente, não é fácil reunir tantas virtudes em uma só pessoa. Elas são mencionadas apenas como um ideal a ser perseguido. E, por óbvio, não se coloca entre elas a honestidade, por não passar de obrigação.

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Há várias condutas que ferem este modelo ideal. Vejamos apenas três: a) adiar a audiência, sem dar o motivo às partes e testemunhas, que às vezes esperaram por horas, obrigando-os a retornar meses depois; b) não saber administrar um processo e deixar que as ações tramitem sem direção certa, entre idas e vindas inúteis, impondo às partes um ônus extraordinário; c) não assumir com coragem sua função, que tem todas as garantias de independência, e omitir-se quando o caso afete interesses expostos na mídia, envolvam o poder público ou pessoas importantes.

Na segunda reflexão, o momento da análise passa pela visão que cada um tem de um bom juiz. Às vezes poderão ser opostas. Por exemplo, entre o policial que deseja prisão provisória ou a escuta telefônica e o advogado criminalista, entre o procurador da Fazenda Nacional e o advogado tributarista, o agente do Ministério Público e o advogado do candidato com antecedentes ou entre os advogados do empregado ou do empregador nas questões trabalhistas.

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A diferença de foco é a mesma, seja em uma pequena comarca do interior do Brasil até a Suprema Corte dos Estados Unidos dividida, há dezenas de anos, entre liberais e conservadores. Em poucas palavras, bom, para muitos, é aquele que decide a favor de seus interesses (ou se revela popular v.g., jogando futebol) e para outros, que se preocupam mais além de suas causas, é aquele em que as virtudes sejam a parte predominante do caráter. O terceiro tema é o mais complexo: como escolher um bom juiz.

No Brasil a seleção dá-se por concurso público de provas e títulos, hoje regulado pela Resolução 42 do CNJ. A opção brasileira pode não ser perfeita, mas é a melhor. Os aprovados são tecnicamente bem preparados e possuem um perfil assemelhado. Via de regra jovens, com pouca experiência profissional e de família de classe média.

As dificuldades na seleção ficam por conta do que o certame não avalia: a) caráter; b) equilíbrio emocional (psicotécnicos não reprovam, regra geral); c) disposição para trabalhar.

Nestas áreas fica-se em algo insondável. Não há regras absolutas. A sensibilidade da banca será fator relevante. Lembro-me de um concurso para juiz federal substituto em que o candidato não havia exercido a advo,cacia, trabalhava o Banco do Brasil e, só indiretamente, exercia atividade jurídica. A falta de prática suscitava dúvidas na banca. Foi aprovado e tornou-se um dos mais brilhantes magistrados, inclusive sendo requisitado para atuar no CNJ.

No processo seletivo, é preciso avaliar a vida pretérita do candidato, o laudo psicotécnico, sua vida particular, maturidade, origem social (que pode revelar mais esforço e vontade), empregos anteriores (ou estágios), enfim, todos os detalhes. Um exemplo concreto. Um candidato que ia se saindo apenas como regular nas provas, foi entrevistado pela banca. Entre outras coisas, havia feito um curso de especialização que lhe exigia 600 km de ônibus aos sábados para assistir às aulas. Óbvio que era um esforçado e que este era um traço positivo de personalidade. Foi aprovado e revelou-se um bom juiz.

Só os ingênuos e os que nunca participaram de uma banca de concurso podem supor que avaliar isto tudo, definir vidas, seja fácil. Basta pensar que é comum candidatos serem de outros estados, desconhecidos totalmente, o que dificulta a avaliação pessoal. Registre-se que ninguém mais dá por escrito informações negativas, com receio de que justifiquem posterior ação indenizatória por danos morais. Por outro lado, e se houver maus antecedentes com inexistência de condenação com trânsito em julgado (v.g., 3 ações penais em andamento, uma delas por roubo), que fazer? E, só para pensar: existem ou existirão candidatos financiados pelo crime organizado?

Mas no Brasil e no resto do mundo, o sistema de escolha perfeito não há. O aprovado no concurso (ou também um indicado para o STF) pode falar cinco idiomas, ter pós-doutorado em Harvard, ser autor de vários livros e revelar-se um mau juiz. Pesquisas, títulos, currículo, não são garantias absolutas. É preciso, mais do que tudo, bom senso, interesse e vontade de trabalhar.

Em suma, não é simples escolher nem definir exatamente o que é um bom juiz. Há sempre uma margem de risco inevitável. O importante é que o método de escolha seja permanentemente avaliado e discutido, aprimorando-se sempre o sistema.

Vladimir Passos de Freitas é colunista da revista Consultor Jurídico, desembargador federal aposentado do TRF 4.ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.