Eram dezessete mil reais e qualquer trocado. Passou-se para dezenove mil e uns reais a mais, por decisão da suprema corte. Agora já se admite, em função das exceções criadas no mais alto degrau do Poder Judiciário, que o valor mais apropriado de teto salarial para os servidores da União é R$ 23.213,00. Mas em função dos chamados direitos adquiridos, a história pode não terminar aí. “As situações legitimamente alcançadas estão ao abrigo da Constituição, sendo totalmente impróprio cogitar de redução, em face do teto criado. Direitos e garantias individuais hão de ser preservados, resguardando-se a segurança jurídica” – já antecipou o ministro Marco Aurélio de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.
Sabe-se que ele não está sozinho nesse entendimento. Na prática, portanto, o teto do funcionalismo público federal está outra vez por terra, levando de roldão todos os subtetos dos estados e municípios, ao primeiro hierarquicamente vinculados. Já não era pouco dezessete mil; não é pouco dezenove mil. Seja qual for o argumento utilizado, não respeitar sequer o limite dos vinte e três mil é, de fato, gargalhar da pobreza nacional.
A questão, dizem os de bolso e paletó grande, é jurídica. Na verdade, é matemática: os ministros que fazem um bico no Tribunal Superior Eleitoral somam salários obtidos em lugares diferentes durante o mesmo horário e não pretendem abrir mão disso, excetuando o teto fixado e abrindo precedentes. O ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, pergunta: “Você acha que alguém pode trabalhar de graça?”. Seus colegas calam e, portanto, consentem. Deveriam perguntar o que pensa a respeito disso o cidadão comum, movido a salário mínimo ou menos que isso, com horários e locais muito mais variados.
Depois vem a questão dos que acumulam funções e cargos, a começar pelo próprio Corrêa. Homem respeitado e de notório saber jurídico, ele pendura no salário de presidente do STF uma aposentadoria, como ex-parlamentar que é, de onze mil reais, perfazendo perto de trinta mil reais mensais. Quem paga todo santo mês, sem esquecer que o ano conta mais que doze meses, é a União, com recursos oriundos de taxas, contribuições e impostos – a mesma fonte que mantém direitos assemelhados nos outros poderes da União, nos estados e municípios todos. Então o teto, que era para ser máximo e único e respeitado, já não é mais nem teto, nem único. É mera referência.
Espelhadas no que acontece no dique do Judiciário transformado em referência e exemplo, outras categorias também já estão arregimentadas na manutenção de vantagens e gratificações contraídas ao longo do tempo. E se servem para o Judiciário, haverão de servir também para o Legislativo e para o Executivo. De todos os níveis, pois todos são cidadãos iguais perante a lei. À conta disso, em todos os cantos do País, o Judiciário já é chamado para se pronunciar em casos específicos de direitos individuais feridos, com previsíveis resultados, decorrentes daqueles obtidos em causa própria. Um “grande retrocesso”, no dizer do governador de Minas, Aécio Neves, que teme a elevação salarial pela via da contaminação em todo o governo, começando pelo presidente da República, até pouco tempo estagnado nos oito mil reais.
A tese do momento é alvissareira para os beneficiados de sempre: o teto (mas qual deles?) só deve prevalecer para quem ainda vai entrar no serviço público. Até gastar quem está ou quem saiu levando todos os direitos, o contribuinte está intimado a pagar a conta. Sem tossir nem mugir. E pensar que estávamos todos esperançosos que o debate travado no Planalto, e em nome do qual se admitiram sucessivamente tetos maiores, era para valer… valeu, sim, como pretexto para aumento de salário!