Chega ao fim a era Fernando Henrique Cardoso na área cultural. O governo que sai em janeiro manteve uma política constante e inequívoca durante oito anos no poder – a gestão mais longeva de um ministro da Cultura (no caso o cientista político Francisco Weffort) no cargo.
Foram oito anos marcados por algumas convicções. A primeira delas foi a de buscar um conceito maciço de divulgação cultural, com o Estado subsidiando exposições portentosas como a mostra Rodin (Pinacoteca), a exposição Monet (Masp) e a mostra Brasil + 500 (no Pavilhão Manoel da Nóbrega, no Ibirapuera), todas em São Paulo.
O Brasil bancou a cultura for export. Foi à feira mundial de Hannover (Alemanha), em 2000, com uma megarrepresentação e a cenógrafa Bia Lessa – controversa em sua montagem na Mostra do Barroco -, tentando mostrar aos europeus que havia boa correspondência entre as transgressões da alemã Pina Bausch e a orla carioca. Por algumas semanas, o País repatriou a carta de Pero Vaz de Caminha, que desembarcou em aeroporto de São Paulo e seguiu em carro-forte com batedores até o Ibirapuera.
Meses depois, o governo construiu uma caravela para rememorar o descobrimento europeu do País, os 500 anos, mas a caravela deu chabu antes de iniciar sua viagem.
Também foi o período da chamada ?retomada? do cinema nacional, que possibilitou a realização de quase mil filmes (200 longas e 750 curtas) estimulados por duas leis de incentivo (a Rouanet e a do Audiovisual).
Em busca de visibilidade para a indústria que ameaçava formar-se, o governo se propôs a criar um Oscar para o cinema nacional, importando um modelo da indústria americana. Criou o Grande Prêmio Brasil, hoje esvaziado.
O cinema que ressurgiu trouxe consigo velhos problemas, como os casos de malversação de verbas investigados pelo Ministério da Cultura e, mais tarde, pelo Tribunal de Contas da União. O ator e produtor Guilherme Fontes e seu inacabado ?Chatô? e a atriz e diretora Norma Bengell apareceram como símbolos de um sistema frágil e falho de financiamento.
O período que finda foi, simultaneamente, uma época de filmes de temas populares, de linguagem consagrada (?Tieta?, ?Central do Brasil?, ?Canudos?, ?Cidade de Deus?) e de pouco ou nenhum experimentalismo. ?Central do Brasil?, de Walter Salles, que tentou o Oscar, foi o marco ilustrativo dessa nova visão, um tanto clean, permeada por filtros fotográficos. É simbólica também a foto ?dolce vita? de Fernando Henrique Cardoso no mar em Ilha Grande, ao lado de Walter Salles e do ministro Nelson Jobim, do Supremo, no réveillon de 1999.
Na literatura, esquentou o filão das biografias históricas, uma especialidade americana, inevitavelmente comercial. ?Como fazer do Brasil um país letrado??, indagou-se um dos colaboradores do presidente, em artigo. Como resposta, investiu-se com generosidade nos grandes supermercados que são as feiras bienais de livros.
Foi uma gestão que buscou reintroduzir na cena cultural a figura do mecenas, do empresário culturalmente esclarecido. ?Aqui nós estamos homenageando empresários. Pode parecer: mas por que empresários, se é uma festa da cultura? Porque no mundo moderno quem se dedique, primeiro, às vezes, como empresário da cultura, mas sobretudo, como alguém que, sendo empresário se abre à cultura, ajuda, portanto, o florescimento da cultura, é parte desse mundo cultural?, discursou Fernando Henrique, em 1999, ao entregar a Ordem do Mérito Cultural.
Os anos FHC viram a reforma da aristocrática embaixada brasileira em Roma, como entreposto simbólico entre a cultura clássica européia e a popular brasileira. A essa última, Fernando Henrique dedicou uma deferência quase de marchand, como a menção ao artista nordestino J. Borges. ?Eu dizia a ele, baixinho, que tinha alguns dos trabalhos dele e nunca imaginei que fosse conhecê-lo. E que lá, na sua simplicidade, lá de Pernambuco, ele é capaz de traduzir de uma maneira extraordinária o sentimento daquela região, e se universaliza, e hoje é comendador.?
Foi uma gestão que incensou as heranças intelectuais de Rui Barbosa e Joaquim Nabuco – o primeiro, como modelo de estadista; o segundo, compreendido pelo presidente como uma autogênese de socialismo, um modelo liberal da questão sociológica.