Com um rombo calculado em mais de sessenta e um bilhões de reais por ano, o sistema brasileiro de Previdência Social merecia um pouco mais de reflexão por parte da sociedade. Mas nem o governo que está terminando, nem os candidatos ao próximo governo estão dando a atenção devida a esse problema que a todos diz respeito e que, dia a dia, se torna mais intrincado e de difícil solução.
Já está distante o tempo em que no Brasil existiam quatro contribuintes na ativa para cada beneficiário aposentado, quando pareciam inesgotáveis os recursos gerados. Hoje são menos de dois. Além disso, o ritmo de crescimento da população, que nos anos 50 estava na faixa de quase três por cento ao ano, agora caiu para um e meio por cento. Isso somado à queda nas taxas de mortalidade infantil, aumentou consideravelmente a idade média. Nos anos 50, as pessoas com mais de 65 anos significavam apenas 6,2% dos brasileiros; hoje, significam quase vinte por cento e a tendência é esta diferença crescer sempre mais. Para agravar ainda mais o quadro, aumentam significativamente os percentuais (já na beira dos 60%) dos que pertencem à faixa da chamada economia informal, isto é, sem carteira assinada e sem contribuição regular – fato que tem a ver com nossa desregulada economia geral.
Falar em números é, sempre, temerário, já que nunca houve a transparência desejada nas contas previdenciárias. Mas tem-se afirmado, sem contestação, que o grande vilão de nosso sistema reside no setor público. Ali, menos de um milhão de aposentados, que se retiram da ativa geralmente mais cedo e com salários integrais (ou melhor que isso) e sem teto-limite no contracheque, impõem a maior parte do rombo existente, qualquer coisa próximo dos quarenta e nove bilhões de reais. Quando na iniciativa privada o teto-limite são dez salários mínimos de benefício (e de contribuição), no setor público o governo, além de magnânimo na concessão, é sovina no cumprimento da geral obrigação: não contabiliza a sua contribuição de empregador, como ocorre com a maioria dos vis mortais. O resultado é um só: o contribuinte acaba pagando tudo. E dobrado.
No arremedo da reforma previdenciária perpetrada, tentada logo no início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, a proposta inicial era a criação de um sistema único de aposentadorias, inspirado na premissa de que todos são iguais perante a lei. Batalha após batalha, venceram as corporações de funcionários públicos, mesmo e a despeito de um aparente esforço isolado de FHC, que chegou a cunhar alguns adjetivos menos lisonjeiros a “privilegiados” e “vagabundos”. A tarefa de fazer justiça e estabelecer um critério mais equânime foi covardemente abandonada. Hoje, os que, por isso, lhe atiraram pedras – como as lideranças do PT – falam na “arrogância com que se encaminhou o processo”. Mas nos planos de um provável governo não há proposta nova para solucionar o velho impasse. Aliás, até aqui nem há proposta. Falam apenas o que todo mundo está careca de saber: “É necessário resolver a questão do déficit”.
Além de Lula, Garotinho, Ciro e Serra também se ocupam superficialmente do problema. Não o esquecem, mas dele fogem pelas tangentes mais ou menos conhecidas. Uns preferem o discurso do combate às fraudes, outros enveredam pela inexorabilidade do envelhecimento populacional, uma bomba de explosão inevitável. Ninguém tem coragem de enfrentar o verdadeiro problema, que é o privilégio concedido a uma casta de brasileiros que se beneficia dos cofres públicos como se privados fossem. E enquanto houver privilégios, não haverá justiça.