O importante segmento para sociedade brasileira
que o governo insiste em burocratizar
ao invés de fiscalizar
Recentemente, em setembro de 2011, o Poder Executivo editou mais um decreto (Dec.7.568/2011) para regulamentar a lei n. 9.790 de 23 de março de 1999, ou seja, após mais de 10 (dez) anos da vigência desta, com efêmero argumento de controle de “desvios de verbas públicas” repassadas a entidades denominadas OSCIP, ONGs, decreta-se novas regras ao Terceiro Setor.
O Estado passa por reconstrução, e não se pode limitar somente a Este toda ação pública, sob pena de não se conseguir atingir os objetivos almejados de crescimento, qualidade e eficiência aos serviços prestados ao cidadão. Num mundo globalizado os desafios são cada vez maiores. Assim as esferas públicas não estatais teriam grande influência nessa reconstrução, ou seja, o Terceiro Setor deveria e deve ter uma ampla participação junto ao Estado na obtenção de resultados melhores à nação como um todo.
A sociedade, através da Lei de 1999, diga-se de passagem, muitos anos para essa conquista, teve consolidado o marco de sua participação junto ao Estado para auxiliar a reconstrução Deste. Entenda-se como sociedade a “massa”, que muitas vezes, ainda que sem se expressar por entidades organizadas, se expressam e movimentam a opinião pública.
Contudo, tratando com exclusividade da participação da sociedade na reconstrução do Estado através de entidades sem fins lucrativos (OSCIPs/ONGs), temos a focar no quanto este Governo retrocede com edições de Decretos almejando “regulamentar” Lei que não carece de regulamento, o que por si só induz, salvo melhor juízo, a ilegalidade dos mesmos.
Independente nesse momento da questão jurídica que cerca a legalidade ou não dos Decretos já editados, certo é que não se pode atribuir às entidades do Terceiro Setor, recém constituídas ou por constituir como se essas fossem inexperientes ou mesmo sem responsabilidade com dinheiro público, e na contrapartida, atribuir às entidades com mais de 3 (três) anos o status de merecedora de crédito desde que tenham atuado em determinado segmento para a qual concorrem.
Ora, temos notícias de fraudes perpetradas através de entidades do Terceiro Setor de longa data, ou seja, essas entidades ainda que constituídas a mais de 3 (três) anos e que cumpram os requisitos do atual decreto não estão isentas de atos ilícitos já praticados ou por praticar.
Estranhamente, até o presente momento não se teve divulgado que tais fraudes perpetradas por entidades que desmoralizam o Terceiro Setor tinham em sua gestão renomados empresários, destacados profissionais, excelentes especialistas nas áreas que atuariam. Ao contrário, em sua maioria os destaques são para pessoas que surgiram da noite para o dia sem qualquer capital ou experiência e ficaram ricas através das entidades.
Dessa forma, como isentar através desses Decretos que transparecem regularem uma Lei que por si só, se gerida por políticos conscientes de suas responsabilidades não necessitariam de inúmeros requisitos, já que esses podem, supostamente, serem preenchidos por entidades que há muito se enriquecem à custa do Governo e da sociedade brasileira como um todo.
Ainda que o Decreto aparentemente queira trazer a sociedade um “ar” de moralização, está muito longe de se conseguir isso na prática. Entidades constituídas no passado com contas ainda não aprovadas estão em plena operação.
Ademais, entre inúmeras exigências, o Decreto em comento, traz ainda a necessidade de se criar um Grupo de Trabalho para rever Leis do Terceiro Setor, porém a constituição desse Grupo não traz obrigação de representantes da OAB, ou seja, da entidade que possuí comissão do próprio Terceiro Setor e que convivem diretamente com a matéria e em muito poderiam colaborar.
O que falta ao Terceiro Setor definitivamente é fiscalização, seja no momento do repasse quando da análise da competência e idoneidade das pessoas que representam determinada entidade para controle de recursos e alcance dos objetivos almejados, seja após liberação quanto ao cumprimento do cronograma/resultados apresentados seguido pelos valores investidos e a devida prestação de contas eficiente e rápida em sua análise.
O envio de prestação de contas não isenta a Entidade, já que possíveis fraudes são apuradas muitos anos depois, justamente por falta de recurso humano em auditá-las.
Não obstante a conclusão de que não se pode continuar a tratar um avanço da sociedade brasileira, ou seja, o Terceiro Setor, com Decretos e sim com Leis, assim como foi seu reconhecimento, os Decretos em comento, até que se provem o contrário, diante das inúmeras denúncias recentes e passadas, não conseguem moralizar o Terceiro Setor. As entidades que ganham mídia e em muito atrapalham o desenvolvimento do Terceiro Setor, acabam por preencher os requisitos exigidos, já que muitas não foram e nem serão excluídas com as atuais exigências. As entidades honestas, com pessoas idôneas a sua frente, não conseguem o volume de verbas liberadas pelo Governo como estas que lamentavelmente denigrem o que deveria ser sinônimo de avanço ao Estado e não meio de corrupção.
Nossa imprensa é munida de informações de entidades corruptas, mas dificilmente de entidades do Terceiro Setor que atuam de forma honesta e muitas vezes não são totalmente financiadas pelo setor público.
O Brasil precisa do Terceiro Setor como todos os países o necessitam. Entretanto, enquanto estes em sua grande maioria, que aparecem na mídia, estiverem em mãos de gestores inidôneos, corruptos e mal intencionados, jamais teremos a imprensa divulgando as excelentes obras realizadas por entidades sérias, representadas por profissionais capacitados e comprometidos e muitas vezes, sequer financiadas com dinheiro público.
Precisamos que a imprensa auxilie a divulgação dessas entidades honestas, pois só assim, estas poderão crescer em detrimento das entidades constituídas para obtenção de vantagens financeiras.
Terceiro Setor é uma solução através da sociedade, e como sabemos, a sociedade é formada por sua grande parte de pessoas honestas, assim também são as entidades que as representam.
Em suma, salvo melhor análise, os decretos não dizem muito além do que a própria Lei por si só, se interpretada por políticos honestos, já dizia. As fantasias jurídicas criadas pelos novos conteúdos apenas “santificam” as entidades já existente e “sacrificam” as novas, ainda que supostamente sérias. O tempo por si só não enobrecerá as entidades, mas sim as ações presentes e passadas de seus gestores. Para tanto bastava ao poder público ter disciplina na administração de verba pública e ao invés de edições de Decretos para que a sociedade acredite que algo esteja sendo feito para moralizar o Terceiro Setor, deveria ter criado Agencia Reguladora do Terceiro Setor. Não é difícil imaginar que não o fez porque a responsabilidade do Presidente, responsável por editar os Decretos, aumentaria e evidenciaria de quem são os erros, já que a nomeação dos gestores Desta serão de sua responsabilidade e assim a tão sonhada prestação de contas à sociedade seria mais eficiente e ágil, além de transparente.
Pelo exposto, fica a pergunta, até quando viveremos de conteúdos sem efeitos práticos e sim, tão somente burocráticos, para que o Terceiro Setor realmente seja reconhecido pela sociedade com a finalidade a que se propõe?
Carla Afonso Pedroza é advogada, Pós-Graduada em Direito Comunitário e do Mercosul pelo IBEJ, MBA em Direito da Economia e da Empresa pelo ISAE/FGV, Membro da Comissão do Direito do Terceiro Setor da OAB/PR.