De origem recente, o chamado terceiro setor sofreu um boom nos últimos dez anos e já desponta no País como um mercado de trabalho promissor, que emprega, formalmente, 1,5 milhão de pessoas – três vezes mais do que o número de servidores federais na ativa -, pagando salários e outras remunerações no valor de R$ 17,5 bilhões. Os dados fazem parte do estudo "As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil – 2002", primeiro perfil da área baseado em informações oficiais, divulgado hoje (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa revela que o nível de organização da sociedade civil brasileira vem crescendo significativamente nos últimos anos, formado por entidades muito heterogêneas. Entre 1996 e 2002, o número organizações mais que dobrou, passando de 107 mil para 276 mil, um aumento de 157%. A maioria (62%) foi criada a partir de 1990, está localizada no Sudeste (44%), não tem empregados (77%) e realiza atividades confessionais (26%), como templos, paróquias, pastorais e centros espíritas, entre outros.
Desenvolvida a partir dos dados contidos no Cadastro Central de Empresas, do IBGE, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Associação Brasileira de Organizações não-Governamentais (Abong) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), a publicação traz um recorte das 500 mil entidades sem fins lucrativos, considerando apenas as auto-gerenciadas, privadas, legamente constituídas e voluntárias ou seja, formadas livremente por pessoas que se reúnem em torno de objetivos comuns.
Em São Paulo há 58.557 entidades privadas sem fins lucrativos, segundo os critérios de classificação, definido com base em orientações da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas. No Estado, onde está o maior porcentual de organizações (21%), há 487.904 pessoas com carteira assinada trabalhando no setor, que gasta, entre salários e outras remunerações, mais de R$ 6 bilhões.
Para a sociológa Anna Maria Peliano, diretora de Estudos Sociais do Ipea e uma das coordenadoras da pesquisa, o crescimento registrado foi surpreendente. "O aumento do número de entidades foi muito grande, especialmente nos últimos anos. Isso aponta para uma organização maior da sociedade. E não tínhamos idéia de que isso estava ocorrendo de forma acentuada em determinadas áreas."
Entre 1996 e 2002, o número de entidades criadas para a proteção animal e meio ambiente subiu de 389 para 1.591, um aumento de 309%. Na área de desenvolvimento e defesa de direitos o número também quadruplicou: passou de 11.214 para 45.161. Já as organizações profissionais e patronais mais que triplicaram e dentro deste universo, o destaque foram as associações de produtores rurais, que aumentaram de 4 mil, em 1996, para 25 mil em 2002. "Isso ocorreu, principalmente, no Nordeste, mostrando que a região também está se organizando. Deve ser um reflexo do setor de agronegócios", avaliou Anna.
Ao comentar a supremacia das entidades confessionais, o diretor da Abong, Jorge Durão, disse que ela está relacionada à formação histórica e social do Brasil. "Desde o início, as entidades religiosas desempenharam um papel que o Estado não cumpria nem nunca cumpriu", opinou, referindo-se à assistência social, especialmente nas áreas de saúde e educação.
Parcerias
Para a socióloga do Ipea, o crescimento detectado pelo estudo não indica uma redução da papel do poder público. "As áreas em que foram registrados os maiores crescimentos não estão relacionadas a funções típicas do Estado, como saúde e educação. Os números mostram muito mais na direção da organização da sociedade do que de uma substituição", considerou. Embora tenham sido retiradas do universo pesquisado entidades como os cartórios, ela reconhece que podem existir organizações que, embora sem fins lucrativos, atuam distribuindo os lucros. "Não analisamos a qualidade. Mas já demos um passo importante para dimensionar o setor."
