É imperiosa e urgente a solução legal para as Cooperativas de Trabalho, um dos pontos essenciais do amplo movimento nacional da economia solidária. O debate nacional, o conhecimento dos estudos sobre o tema e a apresentação de projeto-de-lei pelo governo federal, são pontos essenciais do momento econômico-social. A Recomendação 193/2002, da OIT, deve balisar o equacionamento da questão. Este é um dos pontos em debate pela recém-criada Comissão Nacional de Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Destacamos alguns pontos para a reflexão sobre o tema.

01. O desemprego, salário e informalidade: o principal problema do país hoje é o desemprego.O risco de ficar sem emprego é o que causa medo a 63% entre a população economicamente ativa (Pesquisa CNI,18.12.03). A taxa nacional de desemprego estava em 12,2% em novembro (IBGE), enquanto o rendimento médio do trabalhador caiu, de março a novembro de 2003, em 12,9% (IBGE). Na região metropolitana de SP a taxa de desemprego em novembro estava em 20,1% (Fundação Seade/Dieese), enquanto o salário médio em outubro de 2003 era de R$943, menor em relação a de outubro de 2002 no valor de R$1.007. A imperiosa necessidade da criação de alternativas de ocupação aos trabalhadores é dado político e econômico fundamental, que justifica a análise da temática das cooperativas de trabalho e outras formas de organizações da economia solidária.Ao mesmo tempo, cresce a informalidade: em cada quatro novas ocupações em trabalho, três são sem carteira assinada. Há, assim, um quadro perverso (1) com a manutenção de altas taxas de desemprego (2) redução no rendimento médio do trabalhador (3) crescimento da informalidade no trabalho. As pesquisas de desemprego e salário real médio relativas a comparação dos meses de outubro e novembro de 2003 apresentava dados positivos, com queda no desemprego e recuperação do valor médio salarial. Esta tendência favorável poderá se firmar nos próximos meses.

02.As diretrizes da OIT: A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em sua 90″ reunião, em 20/06/2002, reconheceu “a importância das cooperativas para a criação de empregos, a mobilização de recursos e a geração de investimentos, assim como sua contribuição à economia, promovendo a mais completa participação de toda a população no desenvolvimento econômico e social”, dentro de um contexto em que “a globalização criou pressões, problemas, desafios e oportunidades novas e diferentes para as cooperativas; e que se precisam formas mais enérgicas de solidariedade humana no plano nacional e internacional para facilitar uma distribuição mais eqüitativa dos benefícios da globalização”. Neste sentido, adotou a Recomendação n.º 193, de 22/06/2002, denominada “Sobre a Promoção de Cooperativas, 2002”, a ser aplicada em todos os setores da economia e a todos os tipos e formas de cooperativas. Cumpre ressaltar que a OIT aponta para a necessidade de se “adotar uma legislação e uma regulamentação específicas em matéria de cooperativas, inspiradas nos valores e princípios cooperativos, revisar esta legislação e regulamentação quando proceder, consultar as organizações cooperativas, assim como, as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, para a formulação e revisão da legislação, das políticas e das regulamentações aplicáveis às cooperativas, facilitar acesso das cooperativas a serviços de apoio com o fim de fortalecê-las e melhorar sua viabilidade empresarial e sua capacidade para criar emprego e gerar renda.”

03. Os debates em Seminários: O Tribunal Superior do Trabalho realizou no dia 16 de outubro de 2003 seminário para debater a questão das co-operativas de trabalho e dentre as conclusões adotadas destaca-se a que sugere ao Congresso Nacional a formação de Comissão Especial Mista de Senadores e Deputados Federais para avaliar os projetos de lei sobre as cooperativas de trabalho. No mesmo rumo, no seminário “Economia Solidária:Perspectivas e Desafios”, realizado em Curitiba dias 9 e 10 de outubro, sob os auspícios da Assembléia Legislativa e Secretaria do Trabalho do Paraná e a Universidade Federal do Paraná, aprovou indicação pela necessidade do aprofundamento do debate sobre a regulamentação das cooperativas de trabalho. Anteriormente, no dia 26 de setembro, o Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, coordenado pelo professor José Antonio Peres Gediel, realizou simpósio com renomados especialistas na matéria visando debater como desatar o complicado nó jurídico sobre as cooperativas de trabalho.

04.A economia solidária: A questão das cooperativas de trabalho está inserida no contexto mais amplo da economia solidária, um dos pontos básicos da ação da recém criada Secretaria Nacional de Economia Solidária, sob direção do professor Paul Singer, vinculada à estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego. O Conselho Nacional de Economia Solidária está em fase de constituição, com a indicação de seus integrantes. Governos dos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Ceará e Bahia têm seus organismos específicos para o setor, assim como inúmeras Prefeituras, destacando-se o trabalho desenvolvido na capital de São Paulo, orientado pelo economista Márcio Pochmann. As Universidades desenvolvem o trabalho cooperativo através das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, através de uma rede nacional de dinâmica atuação. Nessas Universidades se constituiu a Unitrabalho, hoje responsável pelo gerenciamento da qualificação profissional do governo federal. Na Organização das Cooperativas do Trabalho há ampla organização de cooperativas de mão-de-obra, via a Fetrabalho. Destacam-se, ainda, várias outras organizações sociais, como a Anteag (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária), a Cáritas, órgão vinculado à CNBB e promotora de ações que visam alternativas de geração de trabalho e renda na perspectiva da economia solidária, a Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores. Finalmente, o movimento organizado por expressivas entidades em todo o país constituiu o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, basicamente a partir das resoluções adotadas nos Fóruns Sociais Mundiais realizados em Porto Alegre de 2001 a 2003.

05.Uma nova política: Movimentos, organizações, experiências de produção e trabalho, empreendimentos, debates, estudos na esfera pública e privada indicam o surgimento de uma nova política visando o enfrentamento da crise do emprego e nas relações de trabalho derivada da crise geral do capitalismo no plano econômico-social. A sinalização oficial do Ministério do Trabalho e Emprego, em especial via a Secretaria Nacional de Economia Solidária, afirma a necessidade de trilhar esse caminho alternativo que, embora ainda incipiente e sem recursos financeiros ou estruturas melhor definidas, indica a possibilidade de recriar condições de vida e de trabalho. Neste cenário se insere a necessidade da imediata regulamentação das cooperativas de trabalho, organizações no campo da produção, da mão-de-obra e dos serviços.

06.Políticas reorientadoras: O advogado e mestrando na UFPR Sandro Lunard Nicoladeli, assessor técnico da Secretaria do Trabalho do Estado do Paraná, acentua: “A economia solidária fornece o campo filosófico, político, social e econômico adequado aos interesses dos trabalhadores através da subordinação o mercado à sociedade. O conceito de solidário, aparentemente contraditório ao de econômico, propositadamente colocado junto a este para demonstrar a possibilidade de subordinar economia à solidariedade, colocando o mercado em função da sociedade e das pessoas, porém sem extingui-lo. A Economia Solidária visa o crescimento e desenvolvimento das possibilidades pessoais e sociais, através da constituição de uma sociedade cujo Estado, Economia, mercado e Cultura satisfaçam às necessidades e desejos de toda a sociedade.O termo economia de mercado revela a subordinação das pessoas, da sociedade e do Estado ao mercado, instância entendida na concepção liberal como o único mediador legítimo das relações entre as pessoas, pregando a força através do poder econômico, como substituta dos direitos sociais e políticos adquiridos historicamente pelos trabalhadores e garantidos por regulamentos e leis instituídas. O contexto ora descrito, requer das instituições públicas respostas com políticas reorientadoras das linhas de inclusão social viabilizantes da inserção dos trabalhadores em formas alternativas de geração de trabalho e renda. Logo, a Economia Solidária, constitui o fundamento para o surgimento duma política pública diferenciada, constituidora de novas matrizes nas relações econômicas visando a construção de uma globalização humanizadora, de um desenvolvimento sustentável, socialmente justo e voltado para a satisfação racional das necessidades de cada um e de todos os cidadãos seguindo um caminho de desenvolvimento sustentável”. (in “Algumas reflexões para além do trabalho subordinado: a necessária definição e organização da economia solidária no Estado do Paraná”, Jornal O Estado do Paraná, Caderno Direito e Justiça, edição de 17/8/2003,págs.08/09)

07. A regulamentação das cooperativas de trabalho: Entretanto, a regulamentação das cooperativas de trabalho, e mais especificamente, das co-operativas de mão-de-obra, está situada em um campo de análise jurídica controvertida. Em decorrência do debate no Congresso Nacional sobre o tema, via projetos de lei em análise, o Ministério do Trabalho e Emprego, via Secretaria Nacional de Economia Solidária, publicou nota técnica em 25 de setembro de 2003, analisando “projetos de lei em tramitação no Senado Federal, de iniciativa do Excelentíssimo Senhor Senador Osmar Dias (PLS n.º 171/99), do Excelentíssimo Senhor Senador José Fogaça (PLS n.º 428/99) e do Excelentíssimo Senhor Senador Eduardo Suplicy (PLS n.º 605/99) que visam a aprovação de texto legal que regulamente a atuação das cooperativas no país, em sucedâneo à Lei n.º 5.764/71. Optaremos por focar, nesta Nota, a análise dos PLS n.º 171/99 e 605/99, em razão de que o PLS n.º 428/99 persevera na mesma linha de proposições contidas no PLS n.º 171/99”. Concluiu a nota técnica que “Deve-se, em nome dos fundamentos que regem o cooperativismo e a chamada “economia solidária”, garantir a produção de um texto legal que permita o florescimento do sistema cooperativista como instrumento privilegiado de organização dos trabalhadores em um modelo de produção distinto da lógica e dos interesses do capital. Finalmente, observa-se que qualquer texto legal que venha a ser produzido sobre o tema não poderá olvidar as sugestões contidas na “Recomendação Para a Promoção das Cooperativas” editada pela OIT, em sua 90ª sessão, de junho de 2002, e tampouco as disposições da Constituição Federal…” Por fim, cabe salientar que, em razão dos enormes conflitos de interesse existentes, não é adequado que se discuta e se encaminhe a aprovação dos projetos de lei existentes no Senado de forma apressada. É necessário um amplo processo de consultas públicas e também aos órgãos governamentais que lidam com a questão. Não se deve, ainda, ignorar a existência do Fórum Nacional do Trabalho, criado por decisão do Excelentísimo Senhor Presidente da República, que tem como principal objetivo uma profunda e democrática discussão com toda a sociedade a respeito do futuro da legislação laboral. Por sua proximidade com o tema, o sistema cooperativista e, em especial, a legislação que rege a matéria, estarão sendo pautados em dois grupos de trabalho do Fórum: “Micro e Pequenas Empresas, Auto Gestão e Informalidade” e “Legislação do Trabalho”. Nossa proposta, portanto, é que em relação à legislação cooperativista, o Grupo de Trabalho Interministerial do Cooperativismo deverá, em seu relatório final dos trabalhos, indicar as inconsistências atualmente existentes nos projetos de lei em tramitação, bem como reforçar a necessidade de, sem atropelos, buscar-se um amplo debate sobre a matéria tanto no Senado Federal quanto no Fórum Nacional do Trabalho e na sociedade”.

08. A questão da terceirização e fraudes: A interligação da regulamentação das cooperativas de trabalho e a terceirização é direta, pois as cooperativas de mão-de-obra já existentes atuam nessa área e as ações do Ministerio Público do Trabalho e as decisões do Judiciário do Trabalho têm atingido essas organizações sob alegação de fraude. Há, assim, um contraponto concreto: de um lado, um amplo movimento de organização dos trabalhadores pelo sistema cooperativo e, de outro, os obstáculos legais existentes que impedem o avanço das cooperativas de trabalho. Impõe-se, por tanto, com urgencia a solução legal, atendendo á Recomendação da OIT sobre o tema.

09. Necessidade de projeto de lei: Com base nas conclusões do Fórum Nacional do Trabalho, das Conferências Estaduais do Trabalho, das contribuições desta Comissão, dos projetos-de-lei já existentes e de outras contribuições sobre o tema, a formulação pelo Ministerio do Trabalho e Emprego e Secretaria Nacional da Economia Solidária, de projeto-de-lei específico sobre cooperativas de trabalho a ser encaminhado em caráter de urgência ao Congresso Nacional, tomando-se por base a Recomendação 193/2002 da OIT e com vistas a realização das normativas constitucionais dos artigos 5.º, XVIII, e 174, parag. 2.º, inclusive o tratamento diferenciado por este regime.

Edésio Passos é advogado e membro da Comissão Nacional de Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. E.mail:

edesiopassos@terra.com.br
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