Tempos de ebulição

Vivemos um período de grande ebulição, onde alguns de nossos líderes desconsideram todo o conhecimento acumulado e apresentam novas idéias, muitas delas desprovidas de qualquer sustentáculo cientifico, como a solução definitiva para os problemas da sociedade brasileira. Apenas para exemplificar, foi assim que em 1990 apresentaram a Lei dos Crimes Hediondos como a magnífica solução para a criminalidade, provavelmente com base nas idéias de repórteres policiais, em desprezo aos grandes estudiosos com notável saber jurídico. Os mesmos também apresentaram a CPMF como a solução definitiva para o sistema de saúde brasileiro e na televisão, diuturnamente, garantiam que a referida contribuição transformaria radicalmente os atendimentos do SUS, dando a todos um bom atendimento medico. Sobe o dólar, aumenta o preço da gasolina, do pão, do óleo comestível e tudo mais. Baixa o dólar, surge uma crise internacional que importa em novos aumentos.

O governo que luta incansavelmente contra a inflação é o responsável pela elevação de todos os índices inflacionários ao permitir pesados reajustes das tarifas públicas,para garantir os contratos decorrentes da privatização, esta mesma privatização que até recentemente transformaria o País num paraíso, com serviços de primeiro mundo a preços módicos. Telefone fixo, telefone celular, água, luz, TV a cabo, sem qualquer interrupção a preço bem baratinho. Tudo isso faria sobrar dinheiro ao governo para investir no social. Nós Juízes e Promotores da Infância e Juventude ficamos esperançosos, imaginando a possibilidade de incrementação do nosso atendimento, de poder oferecer um pouco mais àquela família necessitada, uma vaga na creche, o remédio de uso continuado. Enfim, aquele pouco que nos aflige no dia a dia, que nos faz sentir impotente frente às necessidades básicas do nosso atendido, daquela criança cuja família vive à margem da sociedade, totalmente excluída e sem qualquer expectativa de melhoria.

Agora se encontrou outro responsável. O funcionário público. Especificamente a sua aposentadoria e seu salário. Novamente o governo vem a público e garante a toda sociedade que feitas as reformas, o que chama de privilégios acabarão e o País voltará a crescer, tudo será resolvido. E de esperança em esperança, o Brasil que era para nós crianças, o Brasil do futuro, vai se tornando um País das desilusões, pois o futuro já chegou, e nada melhora, pelo contrário, passam, os anos, de crise em crise, por motivos diferentes, com desculpas diversas, a carga tributária Aumenta, mas as condições sociais do País pioram, a miséria toma conta da sociedade de forma quase irreversível, com profunda repercussão nas mais diversas áreas, inclusive com a elevação constante dos índices de criminalidade, que produzem mais vítimas que as guerras oficiais.

Mas nós da área da Infância e da Juventude nunca nos deixamos abater e sempre lotamos, apesar dos poucos recursos, das inúmeras dificuldades materiais, da falta de compreensão de alguns de nossos governantes, que ainda não entenderam, lamentavelmente, que este Brasil somente será um grande País quando todas as nossas crianças tiverem saúde, no sentido preventivo, escola a iniciar pela creche, pois a história revela que o desenvolvimento decorre do investimento na educação, saúde e na formação profissional das pessoas, garantindo a todos uma vida digna e respeitosa. Precisamos convencer nossas lideranças que não podemos viver de cesta básica, vale-transporte, vale-alimentação, vale – leite, vale-creche e outros vales. Aprendei os que todo trabalho deve ser remunerado através de salário e podemos acrescentar que qualquer outra forma de remuneração, seja qual for o nome dado, é o reconhecimento expresso de que o que se paga é pouco. Cesta básica é o atestado, o reconhecimento de que o Estado falhou na sua principal missão e busca, então, vergonhosamente, minorar os malefícios de seu erro. Procurando pelo menos matar a fome do cidadão, mas nada poderá fazer ao Pai de família para lhe acalentar a alma, a vergonha de não ter um trabalho digno, de não ter numerário para pagar a luz, a água, o material escolar do seu filho, um remédio, aquele que faltou no posto de saúde e que sua filha tanto necessita.

Daí, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o grande instrumento da nossa incessante luta, traz inovações pelas quais devemos estar sempre vigilantes e atentos para assegurar suas efetivas aplicabilidades. Refiro-me ao funcionamento, mas do funcionamento pleno, independente, como efetivamente deve ser, dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares, os quais garantem uma efetiva participação da sociedade na formulação da política pública de atendimento à criança e ao adolescente e sua família. Garante a participação daqueles que estão com a mão na massa, que conhecem o problema em decorrência do atendimento direto e não pelo ouvir dizer ou pelo achar, por ter lido numa revista, ou por uma série de viagens pelo Brasil. Não estou desabafando, nem ofendendo aos nossos dirigentes. Estou apenas elogiando os que desempenham excelente trabalho em prol de nossas crianças.

Alfredo da Silva Baki

é promotor de justiça e ex-presidente da Associação de Magistrados e promotores de Justiça da Infância, Juventude e Família do Estado do Paraná.

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