Vem ocupando as atenções da comunidade judiciária nacional o tema relativo aos atos processuais penais realizados através da videoconferência.
É absolutamente natural que o tema venha encontrando resistências da comunidade judiciária face a inovação e ao inusitado do problema que contém múltiplas facetas e que exige um posicionamento crítico-reflexivo dos estudiosos sobre o tema.
O jurista Fábio Ulhoa Coelho, em artigo feito para a revista eletrônica, Consultor Jurídico, intitulado: ?Judiciário ainda reluta a avanços tecnológicos? nos apresentou interessante crítica, hoje um tanto jocosa, em que situa o avanço da modernização, todavia, pela sua importância transcrevemos a sua introdução:
?Em 1929, a Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Minas Gerais anulou uma sentença judicial porque não tinha sido escrita pelo juiz de próprio punho. A decisão havia sido datilografada! O tribunal considerou, naquela oportunidade, que o uso da máquina de escrever era incompatível com um dos valores basilares do processo penal, o do sigilo das decisões antes da publicação. No fim da década de 1980, várias sentenças foram anuladas porque os juízes haviam usado o microcomputador. Os tribunais receavam que o novo equipamento, na medida em que permitia a reprodução da sentenças ?em série? pudesse prejudicar a devida atenção do magistrado para as particularidades de cada caso?.
A respeitada Associação dos Juízes para a Democracia, entidade de âmbito nacional que prega a efetiva observância aos valores compatíveis com o Estado Democrático de Direito e o absoluto respeito aos direitos humanos, pede que o presidente Lula vete o projeto de lei 7227-b, de 2006, mantendo-se a atual redação do Código de Processo Penal, que já permite a realização de atos processuais em sala anexa às unidades penais, para casos excepcionais.
Também temos manifestações contraditórias do eg. Supremo Tribunal Federal a respeito, pois a Suprema Corte pela sua douta Segunda Turma, decidiu a unanimidade pela inconstitucionalidade da realização de audiência através da videoconferência; sendo condutor do voto majoritário o excelente ministro Cezar Peluso, que afirmou: ?Quando se impede o regular exercício da autodefesa, por obra de procedimento sequer previsto em lei, tem-se agravada restrição à defesa penal?.
Todavia, a ministra presidente Ellen Grace, também em caso concreto, houve por bem em decidir que o interrogatório de um réu por meio de videoconferência não ofende suas garantias constitucionais, negando liminar para o acusado Marcos J. de Souza, que requeria a anulação desse ato processual assim realizado.
Como se sabe o projeto resultou de iniciativa do senador Tasso Jereissati do PSDB, reagindo aos atos de banditismo explícitos, realizados pelo bando do PCC em São Paulo, quando pelo menos 14(quatorze) pessoas foram mortas, dentre elas alguns policiais, para que fossem protegidas as instituições públicas e privadas, a segurança da própria comunidade, diante desses atos de grave insurreição e enfrentamento dos poderes constituídos, feitas pela marginalidade.
Não se pode negar que a efetiva segurança das próprias autoridades judiciais e demais categorias do Poder Judiciário tem enfrentado um grave risco sem que sejam apresentados cuidados compatíveis com a gravidade que algumas situações do cotidiano tem demonstrado no nosso convívio; sem que providências adequadas tenham ou venham sendo observadas.
Também é imprescindível anotar que é urgente a modernização da justiça com o emprego dos meios tecnológicos disponíveis para tornar mais ágil a prestação jurisdicional e a resposta dos meios oficiais ao crime, especialmente ao crime organizado, sendo de todo impensável afrontar-se ou diminuir as garantias constitucionais dos Acusados, sob a esfarrapada desculpa de maior celeridade da Justiça como um todo.
Os tratados internacionais que o Brasil subscreveu como os de Palermo e Mérida, a nosso ver, não se constituem em obstáculos à realização de atos processuais à distância, tais como a videoconferência, desde que sejam tomadas todas as precauções para que esses atos importantíssimos não fiquem desvirtuados, mas há soluções possíveis para bem encaminhar todos esses problemas levantados até agora.
Evidentemente, os processos já estão sendo implantados com um cuidado peculiar, a propósito: a) Os processos dos Juizados Especiais relativos à Previdência Social já estão todos informatizados, sem os tradicionais autos do processo; b) pode-se fazer sustentações orais à distância em diversas Comarcas, conforme prevê o Regimento Interno do eg. TRF da 4.ª Região, mediante prévio requerimento dirigido à Secretária daquele Tribunal, evitando-se a custosa viagem e os dispêndios que se fariam indispensáveis se o advogado tivesse que se deslocar até a sede daquela importante Corte da Justiça Federal, embora efetivo, tal uso, aos poucos vem se consagrando na preferência da classe dos advogados sem nenhum prejuízo para as partes, ou para a administração da Justiça.
Questiona-se em que lugar haveria de estar o defensor do acusado em caso de se realizar o seu interrogatório pela via da videoconferência; não temos dúvida alguma em afirmar que o advogado deverá estar ao lado do acusado, com quem, aliás, pode se entrevistar para bem orientar o seu trabalho de defesa, já que a lei processual penal exige o prévio aconselhamento dado ao acusado, pelo seu defensor, em ato privado, regido pela garantia da extrema confiabilidade.
Não podemos relutar em manter o atraso da administração da Justiça nem nos açodarmos ao confronto de direitos e garantias constitucionais, mas o ato de interrogatório, que é de extrema importância para o processo, pode muito bem ser realizado à distância, desde que a visão das reações do acusado ante as perguntas do julgador, não sejam tomadas com imagem ruim, com som deficiente, o que pode comprometer a qualidade da audiência, mas que, pode e deve ser questionada de imediato pelo defensor do acusado, presente num dos pontos da comunicação, que pode até se insurgir contra a realização do mesmo, sem as mínimas condições de visibilidade e transparência.
O que não se pode fazer é continuarmos como agora, gastando verdadeiras fortunas com a remoção de acusados extremamente perigosos até as sedes das comarcas, geralmente nos fóruns, (vide caso Fernando Beira-mar) para que sejam realizados esses atos fundamentais do processo, que podem por em risco a garantia de vida de inúmeras pessoas, inclusive dos sujeitos do próprio processo.
Os caricatos exemplos apresentados pelo jurista Fábio Ulhoa Coelho, mostram bem o quanto é difícil evoluirmos, e que nos expomos na atualidade, podendo em futuro bem próximo sermos tachados de antiquados; todavia, o preço do progresso não nos pode tornar açodados, já que a virtude esta ?in médio?.
Assim, tomando partido na disputa da questionada videoconferência, deixamos desde já anotada a nossa posição inteiramente favorável a sua realização desde agora, todavia, assim fazendo, não nos descuidando das garantias de funcionamento dos equipamentos que hoje conhecemos, posto que, eles deverão melhorar em futuro muito próximo, pois que o aprimoramento da informática é uma realidade que se modifica a cada dia.
Nilton Bussi é advogado.
