Súmulas vinculantes em matéria criminal

Sempre me posicionei contra qualquer tipo de súmula vinculante (cf. GOMES, Luiz Flávio, A dimensão da magistratura no estado constitucional e democrático de direito, São Paulo: RT, 1997, p. 190 e ss.). Para se evitar a avalanche de recursos (repetitivos) nos Tribunais bastaria a adoção da chamada súmula impeditiva de recursos, isto é, se a decisão do Tribunal de Justiça seguisse uma súmula do STF, não seria possível a interposição de Recurso Extraordinário. Qual é a vantagem da súmula impeditiva de recurso? É que não engessa a magistratura a uma determinada interpretação dada pelo STF. Preserva a liberdade de interpretação do juiz (e, com isso, sua independência).

Na Reforma do Judiciário (EC 45/2004), entretanto, a opção do legislador acabou sendo em favor da súmula vinculante. O art. 103-A da Constituição Federal passou a possibilitar a edição de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Por ora, somente esse órgão pode fazê-lo. Os demais Tribunais superiores (ainda) não podem criar nenhuma súmula vinculante. O STF pode agir, nesse sentido, de ofício ou por provocação. Fundamental é que a súmula seja aprovada por decisão de dois terços dos seus membros (oito Ministros). Sem esse quórum mínimo, não existe súmula vinculante.

Não basta, de outro lado, uma só decisão do STF. Somente após reiteradas decisões é que se pode editar uma súmula. É a jurisprudência reiterada que permite a sua elaboração. Outro dado importante: tem que ser matéria constitucional. O STF não pode criar súmula vinculante para fixar como obrigatória uma determinada interpretação de uma lei ordinária. O objeto da súmula necessariamente tem que ser a interpretação de uma norma constitucional.

A publicação da súmula na imprensa oficial é uma exigência formal imprescindível. Mesmo porque, a sua eficácia vinculante estende-se em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Depois de editada, a súmula vinculante não pode ser contrariada por nenhum membro do Executivo ou mesmo do Judiciário. O engessamento, como se vê, é total. Mas pode não ser eterno: há possibilidade de sua revisão ou mesmo cancelamento, na forma estabelecida em lei (lei futura cuidará dessa matéria).

Nos termos do § 1.º do art. 103-A da CF,  ?a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica?. Todos esses requisitos formais devem ser rigorosamente observados. Primeiro constata-se a controvérsia sobre uma determinada norma constitucional, depois deve ser examinada a questão da multiplicação dos processos.

Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade (§ 2.º).

E se um juiz, por exemplo, descumprir a súmula vinculante? Cabe, nesse caso, reclamação ao STF, que cassará prontamente essa decisão. Isso é o que ficou determinado no § 3.º do art. 103-A, nestes termos: ?Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.?

No âmbito criminal só será possível súmula vinculante quando o tema penal ou processual penal tenha sido constitucionalizado. Não existe súmula vinculante em relação a uma norma infra-constitucional. Não deveremos ter muitas súmulas vinculante nessa área. De qualquer modo, espera-se que jamais o STF faça mau uso da súmula vinculante, que constitui um forte instrumento de autoritarismo judicial. Que a prudência afaste das cabeças dos Ministros da Suprema Corte essa tentação, esse mal exercício do poder.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista e diretor-presidente da Rede de Ensino IELF-LFG (1.ª Rede de Ensino Telepresencial da América Latina Democratização do ensino em favor de todos Pro Omnis).

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo