Summum jus, summa injuria

 

Sócio minoritário de responsabilidade limitada, sem poderes de administração: cuidado com decisões da Justiça do Trabalho!

Tem sido frequentes consultas a advogados, por sócios minoritários, sem poderes de administração, quanto à sua responsabilidade pessoal por créditos trabalhistas, dos quais só tomam ciência quando já em final de execução ou quando já sofreram penhoras “on line”.

Segundo entendimento dos tribunais trabalhistas, o patrimônio de tais sócios pode ser alcançado pela via da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, quando esta e seus sócios administradores, não possuírem bens para o pagamento da condenação trabalhista.

Julgados trabalhistas entendem que a tal responsabilidade é solidária, ilimitada, decorrente do simples fato de serem sócios, e se baseiam na presunção de que os sócios houveram proveito da sociedade. Agrava-se a responsabilidade, porque não se respeita o percentual do capital subscrito; isto significa que um sócio com apenas 1% do capital responderá por 100%.

A iniquidade de tal situação é objeto de estudos por advogados da área cível e comercial, pois tais decisões das cortes juslaboralistas agridem vários textos legais, inclusive constitucionais, civis e processuais.

A primeira consideração é que não há texto de lei que autorize tal entendimento. Trata-se de construção jurisprudencial, que ainda não foi examinada pelo Supremo. O gravame do sócio atingido viola o art. 5º, inciso II da Constituição Federal.

A aplicação da “desconsideração da pessoa jurídica” não obedece aos precisos termos do art. 50 do Código Civil, ou seja, quando houver abuso da personalidade jurídica, pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, estendendo-se então as obrigações aos sócios administradores ou outros sócios, mas desde que estes tenham agido com abuso da personalidade ou desvio de finalidade. Os julgados trabalhistas não obedecem à causuística do texto legal.

Alguns julgados baseiam-se no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, que tem a mesma redação.  Mas a aplicação de tal texto legal é privativa das relações de consumo (vejam-se art. 1º e 28). E uma relação de trabalho não é uma relação de consumo.

Um aspecto importante é a questão da presunção de proveitos obtidos pelo sócio, da sociedade insolvente. Se é presunção, pode ser afastada, comprovando sócio  que não recebeu lucros, nem “pro-labore” ou vantagem outra da sociedade (art. 212 do Código Civil).

Outra circunstância a considerar é a responsabilidade solidária, ilimitada, independentemente do percentual do capital investido. Ocorre que o Código Civil, em seu art. 1052, que limita a responsabilidade ao percentual do capital subscrito.  Além disso, a também há violação ao art. 265 do Código Civil, pois a solidariedade imputada ao sócio minoritário, sem poderes de administração, pela via da desconsideração da personalidade jurídica, pois a solidariedade não se presume; decorre da lei ou da vontade das partes!

As violações às regras processuais são gritantes. Como se sabe, os sócios só tomam ciência da condenação que os atinge, quando citados em fase final da execução, ou quando já sofreram atos de constrição em seu patrimônio. Geralmente os reclamantes nem sequer são conhecidos pelos sócios executados; e os patronos dos reclamantes procuram todos os meios de percepção da condenação, porque têm a motivação de receber seus honorários.

As violações são ao devido processo legal, do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal (inclusive a perda dos recursos inerentes) e também em infração aos artigos 219 e 652 do CPC. Autorizando a busca de bens de qualquer outro sócio, extrapolando os limites estreitos do art. 50 do Código Civil, mediante citação para pagar ou já com constrição “on line”, a decisão viola o princípio da ampla defesa e do contraditório, e a decisão tem ares de “manu militari”.

Existem dois projetos de lei no Congresso, que visam regulamentar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, para evitar o descontrole que atualmente ocorre (Projetos nrºs 3401/08 e 4298/08), dando-se um trâmite para tal instituto, com oportunidade de defesa aos prejudicados.

Recentemente houve um julgamento pelo Supremo, RESP 562276/PR, relatado pela ministra Ellen Gracie, que abre ensejo para um novo enfoque desta situação. No acórdão, afirma-se que débitos fazendários só podem exigidos dos sócios com poderes de administração, quando aplicada a desconsideração. Ora, tendo os débitos trabalhistas os mesmos privilégios, então pode-se aplicar a decisão, por analogia, aos trabalhistas.

Se todos os argumentos supra já não fossem suficientes para contestar as decisões trabalhistas, conforme supra registrado, então cumpre lembrar que o sócio minoritário só toma ciência da decisão trabalhista e de sua obrigação de pagar, muitos anos passados do início da reclamatória, quando então o pagamento deixou de ter natureza alimentar, para tornar-se indenizatório!

Não se nega o direito do reclamante em receber tudo a que tenha direito, e de quem tenha tal responsabilidade; mas “modus in rebus”. Por isso, ao proteger o direito do trabalhador (summum jus), pratica-se injustiça contra terceiros, daí a “summa injuria”.

  

Carlos Fernando Correa de Castro é advogado formado em 1960 pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua com exclusividade na área econômico-financeira do Direito Privado. Exerce também advocacia eleitoral, sem vinculação partidária. Exerceu diversos cargos em razão da profissão: diretor da Faculdade de Direito, PUC/PR; professor titular de Direito Civil; presidente do Instituto dos Advogados do Paraná; conselheiro da OAB/PR; presidente por várias gestões do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PR; juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, em vaga de jurista, por 4 mandatos; membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.

 

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