O “habeas corpus” pode ser delineado através de oito brevíssimos aspectos: seu conceito, sua origem, sua natureza jurídica, os legitimados, a competência para apreciação, sua classificação, os pressupostos e procedimentos, que sempre oportuno de lembrança, e que podem ser sintetizados como segue. Conceito: no sistema pátrio o “habeas corpus” (tome o corpo) ou “writ of mandamus”, significa a ordem de libertação de pessoa submetida a ilegal constrangimento da liberdade física; isto é, a faculdade que a lei concede a todo cidadão, nacional ou estrangeiro, para impedir ou fazer cessar uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade. (5.º, LXVIII CF/88).
Origem: o “habeas corpus ad respondendum” era a ordem de um tribunal superior a outro inferior determinando que o acusado, que se encontrava preso, lhe fosse apresentado (o homem e o caso) para por ele ser julgado. Mais adiante surge o “habeas corpus subjiciendum”, empregado para reparar abusos à liberdade individual e verificar ilegalidade de prisões e do curso processual. Este “writ” foi requerido pela primeira vez no século XVI, perante o Supremo Tribunal, em favor de pessoa presa por ordem do Conselho Privado do Rei Henrique VII. Mas foi no séc. XVII, com o reinado de Carlos I, que o “habeas corpus” foi plenamente reconhecido como remédio legal apto contra prisões ilegais e abusivas; intrinsecamente ligado aos direitos constitucionais de então, e que tinham resquício da Magna Carta de 1215, e do “Petition of Rights”, de 1627, o “Act of” de 1641, e o “Habeas Corpus Act”, de 1679. No Brasil este remédio jurídico entrou no ordenamento por lei ordinária, visto que a Constituição de 1824 não o regulava claramente. Mas o Código de Processo Criminal de 1832, em seu artigo 340 positivava o instituto. Diga-se, contudo que, José de Alencar, então deputado, em 1870, afirmava que o instituto estava implícito na Constituição. A Constituição de 1891 integrou a medida no Direito Constitucional. O STF em meados da primeira à segunda década do século passado ficou famoso pelas célebres concessões de “habeas corpus”. As Constituições de 46 e 67 restringiram o instituto à liberdade ambulatória. Em sentido igual a Constituição vigente.Natureza Jurídica: Rui Barbosa já sustentava que “a pretensão não é recursal, nem o foi, nem o é, mas ação contra quem violou ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir”. Dentro do Processo Penal, o “habeas corpus” é o meio de tutela do “jus libertatis” penal ou processual penal: quando em atos persecutórios ou na aplicação da lei penal, a liberdade de ir e vir é atingida ou ameaçada indevidamente. O “habeas corpus” pode ser utilizado ainda que não haja processo ou decisão a ser impugnada, pelo que a sua inclusão no CPP no Título dos ‘recursos’ é um erro técnico. Destarte, hoje a doutrina majoritária entende que o “habeas corpus” é considerado uma ação.
Há legitimidade ativa a qualquer pessoa, independente de habilitação legal ou representação de advogado, em seu favor ou de outrem, inclusive por analfabeto (à rogo), estrangeiros, pessoa jurídica e o “Parquet”, desde que presentes o interesse de agir. Legitimado passivo é a pessoa que receba a denominação de coator, ou autoridade coatora.Competência: perante o magistrado monocrático, cuja decisão é passível de recurso. Competência Originária: perante o STF: quando o coagido for Presidente ou Vice-Presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros, o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, os membros dos TST, TSE, STM, STJ, STF, do TCU e os chefes de missões diplomáticas de caráter permanente, ou quando o coator for o Tribunal Superior ou quando paciente ou coator for autoridade ou funcionário subordinado à jurisdição do STF. Perante o STJ: quando o paciente ou coator forem os Governadores, Desembargadores, membros dos TRFs, TREs e dos TRTs, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. Se o coator for magistrado federal o “habeas corpus” deverá ser impetrado no TRF a que se subordina. E demais casos regulados pelas Constituições Estaduais. Competência Recursal: nesta esfera há duas possibilidades ao paciente, se denegado o “habeas corpus”, ou interpõe recurso em sentido estrito (581, X CPP), respeitado os casos especiais, ou impetra novo “habeas corpus” ao Tribunal competente.
Classificação: existem duas espécies de “habeas corpus”: o liberatório ou repressivo, e o preventivo. Liberatório ou Repressivo (ou corretivo): essa é a espécie de “habeas corpus” que tem por finalidade afastar constrangimento ilegal já efetivado à liberdade de locomoção. Destina-se a sanar uma coação já consumada contra a liberdade ambulatória, quando se pretende a restituição da liberdade de alguém que já se acha com esse direito violado. Preventivo: é o que se destina a afastar uma ameaça à liberdade de locomoção, quando se pretende evitar que a coação se efetive, desde que haja fundado receio de que se consume. Nessa modalidade expede-se um salvo-conduto, que é a ordem concedida pelo juiz para impedir qualquer coação. Pressuposto: exige, como ação que é, a possibilidade jurídica do pedido (quando houver violência ou coação ilegal ao direito de ir e vir), o interesse de agir (a pretensão de por fim à coação) e legitimidade para a causa. O paciente deve sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Procedimento: embora simples, deve ser obedecido alguns re-quisitos, tais como a formulação do pedido por meio de petição circunstanciada, com indicação da autoridade a quem se dirige, o nome do paciente, a declaração da espécie do constrangimento, e a assinatura do impetrante. O juiz, deferindo, expedirá a ordem “ex officio”, inclusive via fax. Eis pois a suma do “habeas corpus” vigente.
Referência bibliográfica:
ROSA, Antônio José M. Feu. O Habeas Corpus: Conceito e Natureza Jurídica. In Revista Jurídica Consulex, n.º
130, ano VI, 15/jun./02. p. 46s. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 643-658.
Alexandre Sturion de Paula
é acadêmico da Unopar. Bolsista PIC/Unopar.E-mail: sturion.jus@bol.com.br