O sujeito de direito virtual ou cibersujeito descortina um novo momento da história do Direito e da Ontologia. O surgimento histórico do sujeito de direitos é relativamente recente, pois remonta ao advento da burguesia.
Antes disso, o indivíduo não era bem delineado pelos aparatos jurídicos e, quando passou a ser, obedecia à fragmentação do pensamento cartesiano: era um sujeito retalhado, dividido em conformidade com o seu patrimônio material.
No Brasil, somente com a Constituição de 1988 é que o sujeito de direito tem a intimidade tutelada em lei, como bem jurídico fundamental. Portanto, o que se viu na história, foi uma ampliação do conceito de sujeito de direito, que se deu pouco a pouco, e que culmina com a idéia de cibersujeito.
Por outro lado, podemos considerar que o sujeito de direito virtual é um interlúdio entre a Ontologia e a Metafísica, pois enseja um novo estudo do ser. Tradicionalmente, a Ontologia faz a distinção entre essência e existência.
Os entes que possuem essência ou substância são chamados “seres”; enquanto que os entes sem essência possuem apenas existência. Nós, humanos, somos dotados de essência e existência, ao mesmo tempo.
Figuras mitológicas ou lendárias (como por exemplo, Branca de Neve, Papai-Noel, etc) possuem apenas existência, mas não têm essência. A essência pura, para os religiosos, é Deus.
Nesse contexto, pergunta-se: qual é a Ontologia do cibersujeito? Possui ele essência e existência? Ou se trata de uma mera entidade mental, de um sujeito de direito sem essência?
Analisemos a questão, lembrando que, antes de tudo, o cibersujeito é um sujeito de direito. Este não tem apenas direito ao nome, mas dever ao nome. Eis aí uma questão que diz respeito à identidade.
Para o direito autoral, o anonimato é proibido, pois fere a liberdade de expressão e pode causar danos morais. Já o presudônimo é permitido, desde que haja possibilidade de identificação e desde que seu objetivo seja tutelar a intimidade do autor.
No caso do cibersujeito, há o problema do anonimato como modo de preservar a identidade, vale dizer, o sujeito não deve expor os seus dados pessoais como modo de proteger a sua intimidade na web.
Há também a questão da individualidade tradicional do sujeito do direito, que é uno, singular; é uma só pessoa. O cibersujeito, por outro lado, pode expressar-se através de duas ou mais identidades, bastando, para tanto, cadastrar tantos endereços eletrônicos quantos queira, ou tendo tantos avatares quantos quiser na second life.
O sujeito de direito tradicional ocupa apenas um lugar no espaço, enquanto que o cibersujeito pode ocupar dois, três ou mais lugares no espaço; ou ainda nenhum espaço. Aqui está a relação entre ente e espaço, que também é da esfera da Ontologia.
Resta o problema da subjetividade, que compõe o conceito jurídico de sujeito de direito. A subjetividade, para vários autores, tem a psicanálise como via de acesso.
Ora, não há como psicanalisar o cibersujeito ou modelizar a sua personalidade, que não é imediata. Seria ele um sujeito de direito sem subjetividade? Por essas razões, ao contemplar o sujeito de direito virtual deparamo-nos com um novo capítulo na história do sujeito de direitos.
O cibersujeito apresenta bifurcações e antinomias, que tanto podem ser geradas pelo excesso de tecnologia, como pela sua carência. Se considerarmos o ciberespaço como um ambiente democrático, aí teremos a prevalência dos interesses sociais sobre os individuais e então o sujeito de direito virtual será antes de mais nada um ente plural, coletivo, bastante diferente do indivíduo; mas não parece ser essa a tendência dos estudos sobre a matéria.
A temática do cibersujeito pode ser entendida de duas maneiras: retrospectiva, voltando-se para a construção passada e histórica do sujeito de direito; e prospectiva, na medida em que aponta para um futuro sujeito de direito, em permanente construção.
Maria Francisca Carneiro é doutora em Direito pela UFPR, pós-doutora em Filosofia pela Universidade de Lisboa, membro da Italian Society for Law and Literature (ISLL). mfrancis@netpar.com.br