Sucesso da escola depende do professor, revela Unicef

A professora Mabel Victorino, 30 anos, nem sabia explicar direito o que aconteceu. No início de 2005 ela assumiu a turma mais difícil da escola mais pobre da pequena Itatinga (SP), na região de Bauru, e não tinha grandes expectativas quanto àqueles 29 alunos da 4ª série. "A maioria era repetente, indisciplinada e triste", lembra. No final de 2005 ela soube que sua turma havia impressionado o Ministério da Educação, pela pontuação surpreendente obtida na Prova Brasil, que mediu conhecimentos de 3.306.378 alunos brasileiros de 4ª e 8ª séries em português e matemática.

A professora, em seu segundo ano na chamada "escola da Vila Prete", sabia que a turma havia melhorado "desde o primeiro bimestre", mas a explicação para o "milagre" só veio agora. Uma pesquisa coordenada pelo Unicef, a pedido do MEC, apontou os fatores de sucesso ali e em outras 32 escolas com perfil sócio-econômico semelhante, em 14 Estados e o Distrito Federal. O principal fator: ter professores que ouvem o que seus alunos querem dizer, acolhem e, ao mesmo tempo, são exigentes, impõem limites e cobram responsabilidades.

Foram os próprios alunos e seus pais que disseram isso, em 32 das 33 escolas pesquisadas. Eles também disseram, em 25 escolas, que o compromisso dos alunos com o aprendizado foi outro fator de sucesso, o que reforça a importância do envolvimento com o professor; em 21 escolas, destacou-se também o fato de haver avaliação permanente e projetos especiais interdisciplinares. "A gente tem de usar todas as formas possíveis para fazer o aluno aprender… Se não dá de um jeito, aprende de outro", resume Mabel. "É a nossa dedicação que resolve.

As duas quartas séries da Vila Prete não puseram a Escola Municipal de Ensino Fundamental Marygnez Maurício – o nome oficial do estabelecimento – no topo das mais pontuadas na Prova Brasil, mas o desempenho ficou bem acima da média nacional, de 172,9 pontos em português e 180 pontos em matemática. As crianças de Itatinga fizeram 221,37 e 249,5 pontos, respectivamente. Foi isso que chamou a atenção do MEC.

Administração participativa

Boa parte dos 13,9 mil habitantes da cidade trabalha em sítios e fazendas, onde há principalmente plantações de laranja e eucalipto. Mais de 80% dos 280 alunos da escola moram na zona rural e levam até duas horas para chegar à sala de aula. A escola é o lugar onde as crianças podem falar dos problemas que têm em casa, como o alcoolismo e as brigas dos pais. "Para muitas, aqui é o único lugar onde alguém as escuta", diz Mabel. Mas a professora garante que não fica só na conversa. Além de aproveitar os assuntos de interesse dos alunos – bichos, por exemplo – para inserir conteúdos das disciplinas, tem a hora em que o papo pára. "Eu digo: agora tenho de passar umas coisas.

Apesar personificar o principal fator de sucesso apontado na pesquisa, Mabel não encarna a professora missionária e abnegada. Com seu salário de iniciante, na faixa dos R$ 1,2 mil, ela busca qualificação para saber mais e crescer na carreira. Fez o Magistério no Ensino Médio, acaba de se graduar no Normal Superior por meio de um curso a distância e já está se matriculando num curso complementar, de Gestão Escolar. Casada, com um filho de 11 anos e uma filha de seis, Mabel acha que a dedicação do professor tem de ser sustentada com remuneração adequada e formação continuada.

Com essas premissas concordam os entrevistados nas outras escolas. Os pesquisadores constataram que a maioria dos professores nestes estabelecimentos tem curso superior completo e vem se capacitando mais, principalmente na área de gestão. Talvez isso explique o fato de a maioria das 33 escolas pesquisadas administrarem seus recursos de forma participativa – o quarto fator de sucesso – e, em alguns casos, articulando proveitosas parcerias com empresas e instituições.

O quinto fator de sucesso, segundo a pesquisa é a relação das escolas com o seu entorno. Tiveram grande benefício aquelas que acolheram a comunidade, abrindo suas instalações para jogos, casamentos e até velórios. Na escola da Vila Prete, a diretora Denize Bemfica, 45 anos, permite que os vizinhos usem o pátio e a quadra em dias e horários sem aulas, e há um morador do bairro responsável pela chave do portão da escola. Mas as regras são claras: é preciso usar e cuidar, assumindo as responsabilidades, e sem abusar.

Fatores de sucesso

Já houve tempo em que a Vila Prete era barra pesada e a escola era depredada regularmente. Há cerca de cinco anos, a então diretora, Maria Sueli Dadario – hoje secretária municipal de Educação -, convidou os pequenos traficantes da área, que viviam rondando a escola, a entrar e conhecer tudo. Ela estabeleceu um diálogo com eles, e aí começou uma nova relação com toda a comunidade. Hoje, não há sequer pichações.

O MEC resolveu pesquisar estas escolas e identificar os fatores de sucesso para formular propostas que sirvam para outras escolas em comunidades carentes, ou seja, para a maioria das escolas públicas brasileiras. A diretora Denize acha que é fácil multiplicar a experiência da boa gestão e da relação com a comunidade, mas reconhece que não é fácil capacitar um professor a ouvir seus alunos e se empenhar por seu aprendizado. Mas este é o caminho, segundo ela. Como incentivo, vale lembrar que a turma problemática da professora Mabel passou de ano em 2005 e, com professora nova, foi muito bem na 5ª série.

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