O novo Código Civil melhorou substancialmente a posição do cônjuge (aquele casado legalmente) na sucessão legítima, considerando-o, inclusive, em determinadas situações, herdeiro necessário com os descendentes (filhos, netos, etc.) e ascendentes (pais, avós, etc.) – art. 1.845 do Código Civil de 2003.
Ao tratarmos deste tema, saliente-se, não estaremos abordando a posição do convivente, isto é, aquele que apenas mantém união estável com alguém, sem, contudo estar casado, cuja proteção legal é regulada de forma diferenciada.
Dentre as alterações trazidas pelo Novo Código Civil, observa-se que o tema aqui tratado tem gerado inúmeras discussões entre os especialistas do Direito, daí que, ao mesmo tempo em que procuraremos utilizar o mínimo possível da terminologia técnica, antecipamos escusas aos que se atreverem tomar conhecimento desta “ousada tentativa” de interpretar significativa alteração em nosso Código Civil, pois, demandar-se-á, ainda, para sua aplicação, de um porvir, de construção jurisprudencial, isto é, da interpretação dos nossos juizes e tribunais, algo a que somente estão acostumados os inseridos no complexo mundo do Direito.
Desta forma, conforme está colocado no Novo Código Civil, em seu artigo 1.829, a sucessão legítima (aquela que se dá tão logo ocorre o falecimento de uma pessoa, sem deixar testamento), se opera na seguinte ordem:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Do dispositivo acima exposto, depreende-se, portanto que:
1. O cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes quando for casado sob o regime de comunhão universal de bens.
2. O cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes quando for casado sob o regime da separação obrigatória de bens (quando a separação total de bens for realizada de forma obrigatória, por imposição legal).
3. O cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes quando for casado sob o regime de comunhão parcial de bens e houver bens em nome do falecido que tenham sido adquiridos anteriormente ao casamento, pois uma vez não existindo bens particulares, isto é, bens adquiridos pelo falecido antes do casamento, o cônjuge sobrevivente estará por disposição legal impedido de concorrer como herdeiro necessário com os descendentes, recebendo somente sua parte como meação (50% do que o casal adquiriu na constância do casamento).
4. O cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes quando for casado sob o regime de separação total de bens convencional (por vontade do casal).
5. O cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes quando for casado sob o regime de participação final nos aqüestos (novo de regime de bens estabelecido no Novo Código Civil).
A participação do cônjuge sobrevivente que se enquadrar em uma das hipóteses acima, em concorrência com os descendentes, se dará na sucessão na seguinte proporção:
1. Em havendo até três filhos efetuar-se-á a divisão igualitariamente entre eles no que respeita à meação, ou seja, percentual correspondente à totalidade dos bens do cônjuge falecido.
2. Em existindo quatro ou mais filhos, o cônjuge sobrevivente terá uma quarta parte resguardada (25%), sendo o restante dos bens a serem partilhados, divididos entre os demais descendentes. Importante frisar que a prole (ou seja, os filhos) deverá ser comum.
3. Se, no entanto, existirem filhos do falecido oriundos de união ou uniões anteriores, não terá o cônjuge sobrevivente direito a 25%, pois prevalecerá a regra geral de “divisão por cabeça”. Assim, por exemplo, se existirem dois filhos – fruto de casamento anterior -; e mais dois filhos do casamento atual, cada um (cônjuge sobrevivente e todos os filhos) herdará 20% do patrimônio do falecido, pois a divisão será feita entre cinco.
Portanto, herdarão primeiro os descendentes e, ainda, o cônjuge sobrevivente, que além de receber a parte que lhe cabe como meação (dependendo do regime de bens) também poderá receber uma parte como herdeiro. Não havendo descendentes, herdarão os ascendentes e o cônjuge sobrevivente concorrentemente, não se aplicando, nesta situação, as exceções relativamente ao regime de bens adotado pelo casal.
Em relação aos ascendentes, o cônjuge sobrevivente, na sucessão, será contemplado na seguinte proporção:
1. Em sendo vivos tanto mãe quanto pai do falecido, o cônjuge sobrevivente herdará 33,33% da herança deixada pelo falecido.
2. Em sendo vivo apenas um dos ascendentes, o cônjuge sobrevivente herdará 50% da herança deixada pelo falecido.
Concluindo, na ausência de descendentes e ascendentes herda o cônjuge sobrevivente, e em ausência deste, os colaterais (tios, primos, etc.).
Assim, houve aqui uma inovação: a inclusão do cônjuge sobrevivente na condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes e ascendentes. Observa-se que o cônjuge, (aquele casado no civil) não ganha somente a posição de herdeiro necessário, mas, a de herdeiro necessário privilegiado, pois, além de receber sua parte como meeiro, dependendo do regime de bens adotado pelo casal, também concorre com os descendentes. E independentemente do regime de bens do casamento, concorre com os ascendentes do falecido, recebendo mais uma quota parte como herdeiro.
Anteriormente, o cônjuge sobrevivente estava na terceira posição em relação aos herdeiros do falecido, ou seja, além da parte que eventualmente lhe cabia como meeiro, nada mais herdava se houvessem descendentes ou ascendentes. No Código atual, o legislador civil inovou, permitindo-lhe que participe concorrentemente em cada uma das classes de herdeiros, do que se pode concluir que essa posição sucessória do cônjuge sobrevivente é um grande avanço trazido pelo novo Código Civil.
A justificativa para elaboração de tal dispositivo, está não somente em afirmar que é assim pela simples razão de que o legislador assim o quis, mas, ao contrário, está para dar também a segurança àqueles por quem o falecido tanto apreço tinha.
Regime de bens | Situação do cônjuge sobrevivente em relação à concorrência com os descendentes do falecido. |
Comunhão Universal de Bens | O cônjuge sobrevivente, não concorrerá com os filhos do falecido. |
Separação Total de Bens obrigatória | O cônjuge sobrevivente não concorrerá com os filhos do falecido. |
Separação Total de Bens obrigatória | O cônjuge sobrevivente somente concorrerá com os filhos do falecido, se houver bens anteriormente ao casamento. |
Separação Total de Bens convencional | O cônjuge sobrevivente concorrerá com os filhos do falecido. |
Participação Final nos Aqüestos | O cônjuge sobrevivente concorrerá com os filhos do falecido. |
Consuelo Taques Ferreira Salamacha
é advogada.