Recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho alargam, significativamente, a aplicação da substituição processual como instrumento processual eficaz na efetividade da lei e da norma coletiva, tendo como rumo a democratização de acesso ao Judiciário.
O Tribunal Superior do Trabalho, pela Resolução 98/2.000 (DJ 18/09/2000), alterou a redação do Enunciado 286 sobre Sindicato, Substituição Processual e Convenção e Acordos Coletivos, firmando a orientação nos seguintes termos: "A legitimidade do sindicato para propor ação de cumprimento estende-se também à observância de acordo ou de convenção coletivos". A súmula anterior, de 1988, não considerava o sindicato "parte legítima para propor, como substituto processual, demanda que vise a observância de convenção coletiva".
A linha evolutiva caminhou da impossibilidade, por falta de legitimidade, para o inverso, ou seja, a plena legitimidade processual da entidade sindical diante da alteração no Enunciado 286. Em verdade, a súmula é a complementação do texto inserto na Lei n.º 8984, de 07 de fevereiro de 1995, que estabelece a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar dissídios "que tenha origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores e empregador", clareando a questão da competência nas situações litigiosas relacionadas entre sindicatos ou destes com as empresas em matéria coletiva.
Este entendimento já vinha sendo, desde 1995, adotado pelo TRT da 9.ª Região, como se constata pela ementa de acórdão da Segunda Turma: "A substituição processual pelo sindicato é cabível na apreciação de alegação de ofensa a direitos individuiais homogêneos dos integrantes da categoria profissional decorrentes de Acordos ou Convenções Coletivas. Após a vigência da Lei n.º 8.984/95 em autêntica ação de cumprimento e, anteriormente a esta, em decorrência da Lei nº8.073/90 c/ c art.625 da CLT" (TRT PR RO 10772-95,2.ª T,Ac. 27701/95, DJ PR 10.11.95, relatora juíza Rosalie Michaele Bacila Batista).
É também de 1995, acórdão do TST consagrando a tese da ação de cumprimento pelo sindicato em relação a normas coletivas: "Convenção Coletiva. A Lei n.8984/95, além de estender a competência da Justiça trabalhista, também reconheceu a legitimidade do sindicato para o ajuizamento da ação de cumprimento, com base em convenção coletiva. Se não somente as decisões, mas também o cumprimento das convenções e acordos coletivos são passíveis de serem pleiteados na Justiça do Trabalho quando ocorrem entre sindicatos ou sindicatos de trabalhadores e empregadores, então a conseqüência lógica é a própria legitimação desses para o seu ajuizamento" (TST RR 156.837/95.3, Ac. 5.ª T 3713/95, relator Ministro Armando de Brito. In "Revista Trabalho & Processo, n.º 7, dezembro de 1995, pag. 216).
O ministro João Oreste Dalazen, do TST, assinalou, em acórdão, que ?Ora, se o legislador atribui competência à Justiça do Trabalho para o dissídio individual entre sindicato de trabalhadores e empregador, objetivando o cumprimento de cláusula de ACT ou de CCT, sem distinguir a natureza de cláusula, tenho por inarredável a conclusão de que a Lei n.º 8984/95 não apenas fixou uma norma de competência, como também ampliou o leque de legitimidade do sindicato para a ação de cumprimento, de modo a compreender também o ACT ou a CCT? (RR 499215/98, Ac.1.ªT-TST-DJU 21.02.2003). Nesta decisão, o magistrado referencia seu voto em decisão da SBDI-1, E-RR 331.175/96, DJU 28.06.2002).
Em 2004, na SDI-1, tendo como Relator o ministro Luciano de Castilho Pereira, o TST julgou pela legitimidade do sindicato para requerer o pagamento do reajuste do valor do auxílio-alimentação. Neste julgamento, o Tribunal examinou os efeitos do cancelamento do Enunciado n.º 310, assinalando o ministro relator que ?como evolução natural e até mesmo por razão do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, o TST cancelou o referido Enunciado n.º 310. Decorre daí que a posição da Turma não reflete a melhor interpretação do art.8.º, III, da Constituição Federal, devendo-se adotar, a partir de agora, conceito amplo acerca da substituição processual levada a efeito pelos sindicatos? (ERR 729203/2001). Esta decisão levou ao alargamento da tese de recepção das ações de substituição processual, quer face a lei, a normas empresariais e a normas de acordos, convenções e dissídios coletivos de trabalho.
Em recente acórdão, publicado no DJU de 11.03.2005, a 1.ª Turma do TST, analisou extensa e profundamente a questão da substituição processual ao julgar pela aplicação do art.8.º, III, da CF/88, como norma auto-aplicável: Diz a ementa: ?Recurso de Revista. Substituição Processual. O art. 8.º, III da Constituição Federal é norma auto-aplicável, que confere ao Sindicato a atuação como substituto processual em favor dos membros da categoria para postular direitos individuais atados pela identidade da situação comum, o que lhes confere o caráter de direitos individuais homogêneos, situação que se observa na pretensão relativa à concessão de promoções previstas em normas da empresa, e bem assim as decorrentes diferenças salariais? (RR 474309/1998, relatora juíza convocada Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro). Como se verifica pela ementa, são normas empresariais que foram desrespeitadas, e não normas de ACT ou CCT, pelo que o TST equiparou as situações jurídicas para efeito de aplicação do preceito da substituição processual.
Em outro recente acórdão, também da lavra do ministro João Oreste Dalazen, o TST definiu a questão relativa a desnecessidade de apresentação da relação dos substituídos como condição da ação com base na substituição processual. Na ementa, destacam-se os pontos essenciais acatados pelo Tribunal: ?Inépcia da inicial. Relação dos Substituídos. Condição da Ação. Inexigência. 1. A relação de substituídos não é condição de procedibilidade na ação movida pelo sindicato, como substituto processual. Tal exigência, além de não estar prevista em lei, propicia ao empregador exercer sobre o empregado ostensivamente substituído, de forma mais intensa e freqüente, constrangimentos, pressões e até retaliações ilegítimas que, não raro, comprometem o escopo da substituição processual sindical. 2. Fortalece ainda mais esse entendimento o fato de o Código de Defesa do Consumidor, aplicável supletivamente ao processo trabalhista (CLT, artigo 769), ao disciplinar as demandas coletivas, em momento algum cogitar de rol de substituídos. 3. Admitindo-se que a substituição processual sindical dá-se em prol de direitos individuais homogêneos de todos os empregados da empresa demandada integrantes da categoria profissional representada pelo substituto, não faz mais sentido exigir-se rol de substituídos na demanda coletiva. 4. Outrora, ao tempo em que se restringia o âmbito da substituição processual sindical aos associados, poder-se-ia justificar semelhante formalidade, a bem da liquidação da sentença e do maior favorecimento ao direito de defesa do demandado. Sobrevindo, porém, o cancelamento da Súmula n.º 310 do TST, a exigência do rol de substituídos constitui também uma excrescência? (vide a íntegra do acórdão no RR488517/1998, DJU 05/11.2004, relator ministro João Oreste Dalazen).
Mas o TST vai além, ao consolidar o entendimento de que o sindicato pode, em ação de substituição processual, requerer o cumprimento de dispositivo legal desrespeitado pela empresa em relação a todos ou parte dos empregados. Em nota no site em 08.03.2005, o Tribunal esclarece que ?a Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu, por unanimidade de votos, a legitimidade do sindicato para ajuizar ação, na qualidade de substituto processual, na qual contesta os critérios utilizados na fórmula de cálculo de horas extras aplicada na remuneração dos empregados da Companhia Telefônica da Borda do Campo, de São Paulo?. O relator, ministro Luciano de Castilho Pereira, salientou que ?a pretensão, portanto, ao contrário do alegado pela empresa embargante, não versa apenas sobre direito de caráter meramente individual ou pessoal, já que alcança, de forma indivisível, todos aqueles empregados que laboram ou que porventura venham a laborar em sobrejornada? (E-RR 648087/2000).
Estas e outras decisões do Tribunal Superior do Trabalho estão na linha da retomada do papel da Justiça do Trabalho pela ampla possibilidade de acesso dos trabalhadores e das entidades sindicais ao Judiciário, agora muito mais necessário diante das novas competências a ela atribuídas.
E é igualmente no plano da análise da necessária democratização do Judiciário, que em decisão que acatou a possibilidade do sindicato em ingressar com ação civil pública, que o ministro João Oreste Dalazen manifestou seu posicionamento no voto acatado na 1.ª Turma do TST, conforme o site do Tribunal (em 02/03/2005): ?A Lei n.º 7.347/85 e a Constituição (artigo 129) dão aos sindicatos legitimidade ativa concorrente à do Ministério Público do Trabalho para a proposição de ação civil pública. Segundo ele, negar essa legitimidade aos sindicatos seria contrariar o próprio espírito da lei. O ministro citou a democratização de acesso ao Judiciário, principalmente ?àqueles que, individualmente, não teriam meios de litigar em juízo (por deficiência econômica ou ignorância)? entre as finalidades da ação civil pública. ?A concentração de demandas, de modo a permitir que o maior número de questões conexas sejam apreciadas simultaneamente, por motivos de economia da máquina judiciária e celeridade na entrega da prestação jurisdicional?, também foi mencionada pelo relator como um dos objetivos essenciais desse tipo de ação. Dalazen também enumerou entre as finalidades da ação civil pública, a garantia de ?igualdade de armas ou paridade de forças no embate judicial, com o que, pode-se corrigir ou, ao menos, atenuar certa desigualdade substancial das partes, graças à presença de seres coletivos nos pólos da relação jurídico-processual?. ?Entendo que reconhecer legitimidade ativa aos sindicatos apenas concorre para o atendimento de todos esses objetivos, no âmbito das relações laborais? (RR 330004/1996).
Substituição processual, mandado de segurança coletivo, ação direta de inconstitucionalidade, ação civil pública, dissídios coletivos de trabalho são, dentre outros meios processuais, instrumentos eficazes para a representação sindical dos trabalhadores se firmar na defesa dos direitos e interesses das categorias profissionais. Junto com os legítimos e legais meios de pressão, complementam um quadro de garantias constitucionais que têm que ser cada vez mais aplicadas para a efetividade da lei, da norma coletiva e dos regulamentos empresariais.
Edésio Passos é advogado, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores e ex-deputado federal (PT/PR). E-mail: edesiopassos@terra.com.br