Previsões legais

Os requisitos para o reconhecimento de vínculo empregatícios estão inscritos nos caput dos arts. 2.º e 3.º da CLT.

Dessas regras legais extrai Mauricio Godinho Delgado os elementos fáticos-jurídicos componentes da relação de emprego: “trabalho não eventual, prestado intuitu personae (pessoalidade) por pessoa física, em situação de subordinação, com onerosidade”(1).

Dependência ou subordinação

Esclarece Sergio Pinto Martins que a palavra explicitada na regra legal é dependência, mas que se costuma usar o vocábulo subordinação, por ser mais exato no que diz respeito a esse estudo, e conceitua: “Subordinação é o aspecto da relação de emprego visto pelo lado do empregado, enquanto poder de direção é a mesma acepção vista pelo ângulo do empregador”(2).

Esse autor lembra a existência de várias formas de subordinação (econômica, técnica, hierárquica), asseverando, no entanto, que a tese da subordinação jurídica é a mais aceita: “em função da situação do contrato de trabalho, em que está sujeito a receber ordens, em decorrência do poder de direção do empregado, do seu poder de comando”(3).

O jovem jurista Ricardo Marcelo Fonseca também apanha com profundidade a questão das origens da subordinação, de modo a nos dizer qual a diferença entre subordinação jurídica e subordinação pura e simples.

De forma direta frisa que o diferencial estaria nos limites da atividade econômica do empregador, do risco físico e do atentado moral do empregado, e da prática de ato que seja ilícito. No mais, segundo afirma, são idênticas.

3. Significado tradicional (critério subjetivista e personalista)

O critério da subordinação jurídica ou da dependência hierárquica é o que tem logrado maior aceitação na doutrina, na legislação e na jurisprudência, vinculando-se ao poder diretivo do empregador e ao estado de sujeição do empregado(4).

A Professora Aldacy Rachid Coutinho lembra o fato de que, embora o empregado seja protegido pelo direito, que o defende das agruras econômicas, ele deve, juridicamente, obediência e fidelidade ao seu empregador, encontrando-se em latente estado de submissão da sua vontade às ordens do empregador que detém o poder de dirigi-lo, fiscalizar a sua conduta e vida, e, por conseqüência, puni-lo no próprio interesse.

Conclui a brilhante jurista: “A subordinação ressalta esse estado pessoal de sujeição ao poder de direção, que é um estado jurídico, criado ou revelado pelo contrato de trabalho; um modo de ser do sujeito, do qual decorrem deveres e obrigações; dentre esses deveres, o de fidelidade, obediência e disciplina”(5).

4. Relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa

Baseado na doutrina alemã, e no direito italiano, Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena busca uma imagem a que os juristas venham a afeiçoar a subordinação atenuando a rigidez divisória, e que re-presentaria uma validade maior e mais constante na esfera das relações trabalhistas, para o que considera: “uma relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa, através da qual a atividade do trabalhador como que segue, em linhas harmônicas, a atividade da empresa, dela recebendo o influxo próximo ou remoto de seus movimentos”(6).

O vínculo subordinativo teria como suposto conformador, como atividade coordenada “a atitude harmônica do prestador de serviços, rente com a regular manutenção daquela parcela da dinâmica empresária e de seu processo produtivo, que lhe cabe dar seguimento”(7).

5. Conceito objetivo de subordinação

Moderna teoria advoga que para se verificar a existência de subordinação não seria exigida a efetiva e constante atuação da vontade do empregador, bastando a sua possibilidade jurídica. Portanto, a subordinação não seria confundida com submissão a horário, controle direto do cumprimento de ordens, etc, importando, sim, a possibilidade, que assiste ao empregador, de intervir na atividade do empregado.

Arion Sayão Romita(8) recorda exemplos jurisprudenciais pelos quais já foram proferidas decisões no sentido de que a prestação de serviços gera a presunção iuris tantum da existência de contrato de trabalho; e, também, aplicando analogicamente o art. 455 da CLT, pressupõe o conceito puramente objetivo da subordinação que vincula os empregados do empreiteiro ao empresário, em cujo estabelecimento eles trabalham, se os serviços podiam ser executados, normalmente, pelos empregados do empregador (9).

Seguindo esta tendência progressista, o E. TRT da 9ª Região, por sua 2.ª Turma, já se manifestou a respeito (10).

A relação de emprego se estabelece independentemente da vontade das partes, submetida apenas à existência concomitante dos elementos que a informam.

Nesta esteira, é comum dizer que, na expressão permanente de La Cueva, o contrato de trabalho é um contrato-realidade, sobrepujando-se a prestação de trabalho efetiva, na prática, sobre qualquer estipulação formal que venha a reconhecer outra forma de vínculo.

Importante recordar, também, que sendo pacífica a prestação de serviços, emerge a presunção juris tantum de existência de relação de emprego, enquanto consectário lógico daquela situação fática(11).

6. A parassubordinação

O jovem jurista José Affonso Dallegrave Neto menciona o neologismo parassubordinação, que traduz subordinação mitigada, “própria de empregados altamente qualificados ou controlados à distância, ou, ainda, das figuras contratuais resididas na zona fronteiriça entre o trabalho autônomo e a relação de emprego, como, por exemplo, o representante comercial e o vendedor pracista”(12).

Refere que isso pode servir para uma exegese excludente ou para uma nova hermenêutica includente, de tal forma que: os adeptos do neoliberalismo não incluem esses trabalhadores na órbita celetista, fazendo interpretação restritiva do art. 3.º da CLT; já os juristas voltados a uma hermenêutica constitucional com base nos arts. 170 e 193 da CF/88, a tutela da CLT deve ampliar seu horizonte para acolher as novas figuras contratuais(13).

7. Relação de poder entre capital e trabalho.

Reginaldo Melhado, em interessante, e profundo, trabalho, recentemente publicado, afirma que agora, no capitalismo, os trabalhadores são “livres` e esse simulacro de liberdade dá status de racionalidade à sua submissão ao capital: há uma eleição voluntária que é inteiramente livre, no plano jurídico, mas rigorosamente coercitiva, no âmbito real em que a relação se dá”(14).

Ao refutar o institucionalismo, o autor sustenta que a relação entre capital e trabalho configura um contrato e, como tal, deriva de um conceito de vontades. Mas também discorda do contratualismo clássico, pois esse contrato “é visto como um negócio jurídico de compra e venda através do qual a capacidade de trabalho passa por um processo de intercâmbio sui generis, já que seu proprietário, ao aliená-la, não recebe em troca outra coisa senão o trabalho mesmo convertido em dinheiro”(15).

Resume seu trabalho dizendo que “a relação de poder entre capital e trabalho, tal como configurada, é um fenômeno datado, próprio do modo de produção capitalista, e que será como ele um dia superad(16).

Notas

(2) MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 31.

(3) Ob. cit. p. 32.

(4) GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 143.

(5) COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p. 26.

(6) VILHENA, Paulo Emilio Ribeiro de. Relação de emprego. Estrutura legal e supostos. 2. ed. rev. e atual. e aum. São Paulo: LTr, 1999. p. 481.

(7) Ob. cit. p. 482.

(8) Ob. cit. p. 84.

(9) Ob. cit. p. 85 e 89.

(10) TRT-PR-RO 8301/02. Rel. Juíza Marlene T. F. Suguimatsu. Ac. 1.279/03. DJPR 24.01.03.

(11) BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Vínculo de emprego. Médico plantonista. RO 1988/96. Relator: Juiz Luiz Eduardo Gunther. Ac. 2.ª T. 2.058/97. DJPR 31.01.97.

(12) DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na legislação trabalhista: reforma trabalhista ponto a ponto. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 172

(13) Ob. cit. p. 173.

(14) MELHADO, Reginaldo. Poder e sujeição: os fundamentos da relação de poder entre capital e trabalho e o conceito de subordinação. São Paulo: LTr, 2003. p. 210.

(15) Ob. cit. p. 217.

(16) Ob. e p. cit.

Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig, juiz e assessora no TRT da 9.ª Região.

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