Nosso STF acaba de adotar a onda populista como guia para suas decisões. Segue o que o populismo punitivista está pedindo. Vox populi, vox mídia, Vox Dei. Isso é extremamente perigoso.

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Muda de critério (em suas decisões) como se muda de roupa. Há 3 anos o deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), nas vésperas do seu julgamento pelo STF, fraudulentamente renunciou ao seu mandato.

A Corte, por 7 votos a 4, entendeu que tinha perdido sua competência. A fraude foi desconsiderada. Determinou-se o envio dos autos do processo para a primeira instância (onde, até hoje, estão imoral e devidamente hibernados).

O que foi decidido há 3 anos, de repente, passou a não valer mais. Por 8 votos a 1 o STF, no dia 29/10/10, no caso do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), entendeu que sua renúncia (também fraudulenta) não teria a força de alterar a competência do próprio STF para julgar o caso.

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Adotado esse novo posicionamento, adveio a sentença condenatória (13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, mais multa, pelos delitos de peculato e quadrilha), dois dias antes da prescrição.

O foro privilegiado (nos crimes comuns) tem que acabar para todos, visto que incompatível com o estado republicano (“todos são iguais perante a lei”). Enquanto existe, no entanto, deve ser regido por regras que garantam o mínimo de igualdade.

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É impressionante como os julgadores brasileiros violam o princípio da igualdade diariamente. Casos idênticos são julgados de forma totalmente diferente. Muitas vezes sem maiores explicações para a mudança de critério.

Ronaldo Cunha Lima foi tratado de forma totalmente distinta de Natan Donadon. Ambos devem ser condenados, de acordo com o devido processo, pelo que fizeram.

Sobre isso não há o que discutir. O que é estarrecedor é o tratamento distinto (diante de situações totalmente idênticas). Ambos renunciaram aos seus mandatos fraudulentamente, dias antes do julgamento pelo STF. Logo, deveriam ser tratados de forma idêntica. Não foram.

Falta uma regra segura (que ainda não foi fixada pelo STF) sobre o último momento em que o parlamentar (ou qualquer outro detentor de foro privilegiado) pode renunciar ao seu mandato para evitar o julgamento pelo STF. Claro que esse odioso privilégio de foro tem que acabar. Mas enquanto não acaba, deve ser regido por regras certas.

Penso que a partir do momento em que o processo é devidamente admitido no STF (juízo de admissibilidade da causa), a partir daí já não deveria mudar a sua competência (haveria uma espécie de “perpetuatio jurisdictionis”).

Mas tudo isso tem que ficar muito claro. O jurisdicionado tem o direito de saber qual é o direito válido (direito “vivente”, como diz a doutrina italiana). Não pode ficar ao sabor de cada momento histórico (e midiático) do país.

O que o STF está fazendo hoje com sua jurisprudência, norteada por uma série de acontecimentos zigue-zagueantes (para não dizer que, em alguns momentos, retratam as emoções de uma montanha russa), não condiz com a imperiosa necessidade de segurança jurídica, que constitui um dos pilares de sustentação do Estado de Direito. Mínima que seja, o suficiente para se delinear algo parecido com o que chamamos de previsibilidade.

O réus do mensalão, que seguramente poderiam (ou iriam) fazer uso da renúncia fraudulenta (integrante da ampla defesa, de qualquer maneira) para evitar eventual condenação (mais do que certa, como já sugeriu o Min. Joaquim Barbosa), já não podem se sentir (tão) seguros.

Eventual renúncia deles pode não ser admitida como suficiente para alterar a competência do STF. Tudo vai depender dos ventos que estarão soprando a Egrégia Corte no dia do julgamento.

Se vem do Nordeste (Paraíba) é uma coisa. Se vem do Norte (Rondônia) é outra coisa. Vamos ver o que vão decidir quando o vento vem do próprio Distrito Federal.

Recomenda-se, doravante, para o árduo exercício da advocacia e do Ministério Público, mirar a Praça dos Três Poderes, especialmente o grandioso Mastro da Bandeira, um monumento de autoria de Sérgio Bernardes, de cem metros de altura e que consta no Guiness Book como a maior bandeira hasteada do mundo. Essa enorme bandeira talvez possa servir de biruta ou de oráculo ao crente cuja última esperança é a divindidade do vento.

O que está acontecendo com o STF? Em suas discussões os eloquentes e habilidosos ministros estão se perdendo nos meandros das emoções (típicas do populismo). E onde há emoção é difícil entrar a racionalidade.

Estão (equivocadamente) atuando não como juízes imparciais, sim, como fazem os advogados ou membros do Ministério Público que, para o bom desempenho das suas funções, devem (sempre) buscar a vitória, não (necessariamente) a verdade.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, diretor-presidente da Rede de Ensino LFG e co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br.