STF extingue foro especial para ex-autoridades

Por maioria de votos (7 a 3), o plenário do Supremo Tribunal Federal (em 15.09.05) declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1.º e 2.º do artigo 84 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelecem (a) foro especial por prerrogativa de função a ex-autoridades processadas por crime e (b) foro especial para casos de improbidade administrativa. O relator, ministro Sepúlveda Pertence, julgou procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2.797 e 2.860) propostas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e Associação Nacional dos Magistrados (AMB). Acompanharam seu voto os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carlos Velloso e Celso de Mello. Os ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie divergiram do relator.

O STF editou em 03.04.64 a Súmula 394, que garantia o foro especial mesmo após cessada a função pública. Essa Súmula vigorou até o ano de 2001 (Inq. 687 QO/SP – DJU de 9.11.2001), quando então o STF, revisando sua firme jurisprudência precedente, passou a entender o seguinte: cessada a função pública, cessa automaticamente o foro especial por prerrogativa de função. Com base nesse novo entendimento do STF casos ?famosos? que tramitavam na época (originariamente) em tribunais de segunda instância ou superiores foram deslocados para a (e julgados em) primeira instância: casos Nicolau, Maluf, Magri, Zélia Cardoso, Luiz Estevão etc.

Contrariando o novo posicionamento do STF na matéria, o legislador ordinário, em 2002 (numa espécie de reação contra a Corte Suprema), aprovou a Lei 10.628/02 (conhecida como ?lei FHC?) que modificou o art. 84 do CPP. Essa lei (modificando o art. 84 do CPP) procurou assegurar duas coisas: (a) a preservação do foro especial por prerrogativa de função mesmo depois de cessada a função pública (por exemplo: Presidente da República, mesmo após terminado seu mandato, continuaria sendo julgado pelo STF nos seus crimes funcionais); (b) a criação desse foro especial para os casos de improbidade administrativa.

Desde então a divergência era enorme. Muitos Tribunais de Justiça julgaram referida lei inconstitucional. Com a decisão definitiva do STF (de 15.09.05) acabou a polêmica. Ex-autoridade, depois de cessada a função, não conta com foro especial. Em outras palavras, cessada a função pública, o processo que tramita em qualquer Tribunal (em razão da competência originária) deve ser enviado imediatamente para a primeira instância. De outro lado, está decidido que não existe foro especial para o caso de improbidade administrativa (que deve, então, ser processada sempre em primeira instância).

Do voto do ministro Pertence há um aspecto muito importante que deve ser ressaltado: o legislador ordinário não pode contrariar, por lei, interpretação constitucional do STF. O guardião máximo da Constituição Federal é, sem sombra de dúvida, o Supremo Tribunal Federal. Cabe a ele, conseqüentemente, interpretar os textos constitucionais e fixar o valor e o sentido de cada uma das suas normas. A interpretação dada pelo STF, por conseguinte, não pode ser contrariada pelo legislador ordinário, isto é, por lei ordinária. Se o STF julga um determinado assunto constitucional de uma maneira, não pode o legislador pela via ordinária alterar o sentido da decisão da Corte Suprema. A interpretação adotada pelo STF não está sujeita a ?referendo? do legislador ordinário.

Resta agora saber se o Congresso Nacional pode modificar esse entendimento do STF por meio de Emenda Constitucional. Não se pode descartar a possibilidade de que o STF também a julgue inconstitucional. Toda decisão do legislador derivado (que vem depois do constituinte) está sujeita à declaração de inconstitucionalidade. Em outras palavras: também uma emenda constitucional pode ser declarada inconstitucional. Aliás, no que diz respeito às ações de improbidade administrativa, dificilmente passará no STF qualquer tipo de adoção de foro especial, porque a improbidade administrativa tem cunho civil, não penal.

A incidência da decisão do STF é imediata, mesmo porque se trata fundamentalmente de competência, que é matéria processual (CPP, art. 2.º).

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente do PRO OMNIS-IELF (Rede Brasileira de Telensino – 1.ª do Brasil e da América Latina) www.telensino.com.br

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