O Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade dos parágrafos 1.º e 2.º do artigo 453 da CLT que tratam da aposentadoria e extinção do contrato de trabalho. O advogado Nilton Correia, ex-presidente da Abrat e conselheiro federal da OAB, informa que o STF decidiu, pela inconstitucionalidade, face as duas ADIs que tratavam da extinção do contrato de trabalho em face da aposentadoria. Esclareceu que, para as duas, o STF tinha concedido liminares, pelo que ambos os dispositivos não podem ser aplicados e agora é de se esperar que o TST reexamine os termos de orientação sumulada.

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A ADI 1.721 foi proposta pelo PT, PDT e PCdoB e trata da inconstitucionalidade do parágrafo 2.º do art. 453 da CLT. A ADI 1.770 foi proposta pelo PDT e PCdoB e trata da inconstitucionalidade do parágrafo 1.º do art. 453 da CLT. Ambas foram julgadas em 11 de outubro e as decisões foram encaminhadas ao Presidente do Congresso Nacional e ao Presidente da República visando a imediata aplicação. As ações visaram a inconstitucionalidade do artigo 3.º da Lei n.º 9.528/1997 que alterou o artigo 453 da CLT.

Os parágrafos 1.º e 2.º do art. 453 da CLT têm a seguinte redação: Parág., 1.º. Na aposentadoria expontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista é permitida sua readmissão desde que atendidas aos requisitos constantes do art. 37, inciso XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso público. Parág. 2.º. O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício?.

Na decisão referente a ADI 1721, o relator Ministro Carlos Britto esclarece questões relativas à matéria:

Aposentadoria como benefício

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?19. Sucede que o novidadeiro § 2.º do art. 453 da CLT, objeto da presente ADI, instituiu uma outra modalidade de extinção do vínculo de emprego. E o fez inteiramente à margem do cometimento de falta grave pelo empregado e até mesmo da vontade do empregador. Pois o fato é que o ato em si da concessão da aposentadoria voluntária a empregado passou a implicar automática extinção da relação laboral (empregado, é certo, ?que não tiver completado trinta e cinco anos, se homem , ou trinta, se mulher (…)? (inciso I do § 7.º do art. 201 da CF)?.

?20. Ora bem, a Constituição versa a aposentadoria do trabalhador como um benefício. Não como um malefício. E se tal aposentadoria se dá por efeito do exercício regular de um direito (aqui se cuida de aposentadoria voluntária), é claro que esse regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave. Explico. Se um empregado comete falta grave, assujeita-se, lógico, a perder o seu emprego. Mas essa causa legal de ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente. É preciso que o empregador, no uso de sua autonomia de vontade, faça incidir o comando da lei. Pois o certo é que não se pode recusar a ele, empregador, a faculdade de perdoar seu empregado faltoso?.

O direito a aposentadoria e o contrato de trabalho

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?21. Não é isto, porém, o que se contém no dispositivo legal agora adversado. Ele determina o fim, o instantâneo desfazimento da relação laboral, pelo exclusivo fato da opção do empregado por um tipo de aposentadoria (a voluntária) que lhe é juridicamente franqueada. Desconsiderando, com isso, a própria e eventual vontade do empregador de permanecer com o seu empregado. E também desatento para o fato de que o direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o ?segurado? do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguridade Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo. Não às custas desse ou daquele empregador. O que já significa dizer que o financiamento ou a cobertura financeira do benefício da aposentadoria passa a se desenvolver do lado de fora da própria relação empregatícia, pois apanha o obreiro já na singular condição de titular de um direito à aposentadoria, e não propriamente de assalariado de quem quer que seja. Revelando-se equivocada, assim penso, a premissa de que a extinção do pacto de trabalho é a própria condição empírica para o desfrute da aposentadoria voluntária pelo Sistema Geral de Previdência Social. Condição empírica, isto sim, é o concurso da idade de nascimento do segurado com um certo tempo de contribuição pecuniária (incisos I e II do § 7.º do art. 201 da CF). Quero dizer: a relação previdenciária até que principia com relação de emprego, sem dúvida (caso dos autos). Mas a relação de aposentadoria, uma vez aperfeiçoada, se autonomiza perante aquela. Ganha vida própria e se plenifica na esfera jurídica do ?segurado? perante o sistema previdenciário em si?.

Efeitos da rescisão do contrato de trabalho

?22. Nada impede, óbvio, que, uma vez concedida a aposentadoria voluntária, possa o trabalhador ser demitido. Mas acontece que, em tal circunstância, deverá o patrão arcar com todos os efeitos legais e patrimoniais que são próprios da extinção de um contrato de trabalho sem justa motivação. Obrigação patronal, essa, que se faz presente até mesmo na hipótese em que a aposentadoria do empregado é requerida pelo seu empregador. Note-se:?Lei n.º 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Art. 51. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco) anos, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria?.

Não há extinção automática do contrato de trabalho

?23. Não enxergo, portanto, fundamentação jurídica para deduzir que a concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador deva extinguir, instantânea e automaticamente, a relação empregatícia. Quanto mais que os ?valores sociais do trabalho? se põem como um dos explícitos fundamentos da República Federativa do Brasil (inciso IV do art. 1.º). Também assim, base e princípio da ?Ordem Econômica?, voltada a ?assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (…)? (art. 170 da CF), e a ?busca do pleno emprego? (inciso VIII). Sem falar que o primado do trabalho é categorizado como ?base? de toda a ordem social, a teor do seguinte dispositivo constitucional: ?Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais?

?24. Daí o seguinte magistério de Maurício Godinho Delgado, citando José Afonso da Silva: ?(…) Finalmente, na leitura de todos esses dispositivos há que se considerar o estuário cultural e normativo característico de toda a Constituição, em que se demarcam o primado conferido ao trabalho e as inúmeras garantias deferidas a seu titular. Como bem apontado pelo constitucionalista José Afonso da Silva, o direito ao trabalho ?… ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho?. É que, para a Constituição, a República Federativa do Brasil tem como seus fundamentos, entre outros, os valores sociais do trabalho (art. 1.º, IV); a ordem econômica também se funda na valorização do trabalho (art. 170), ao passo que a ordem social tem como base o primado do trabalho (art. 193). Tudo isso, inevitavelmente, conduziria ao necessário reconhecimento do ?… direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da 3 in Curso de direito do trabalho, 4.ª edição, São Paulo: LTr, 2005, p. 1.114. pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1.º, III)?.

Garantias constitucionais

?25. Nessa ampla moldura, deduzo que uma proposição em contrário levaria à perpetração de muito mais desrespeito à Constituição do que prestígio para ela. Quero dizer, o que se ganharia com a tese contrária seria suplantado, de muito, pelas perdas infligidas ao sistema de comandos da Constituição-cidadã, a significar, então, postura interpretativa oposta à preconizada pelo chamado ?princípio da proporcionalidade em sentido estrito?.

?26. Seguindo a mesma linha de raciocínio até aqui expendida, ajunto que a colenda 1.ª Turma deste Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RE 449.420 (Rl. Min. Sepúlveda Pertence), ocasião em que proclamou: ?viola a garantia constitucional o acórdão que, partindo de premissa derivada de interpretação conferida ao art. 453, caput, da CLT (redação alterada pela L. 6.204/75), decide que a aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário? (DJU de 14.10.2005). 27. Isso posto, meu voto é pela procedência da presente ADI, para o fim de declarar inconstitucional o § 2.º do art. 453 da C.L.T?.

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