Luiz Flávio Gomes Silvio Maciel

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No dia 20/9/06 foi publicada no DJU a Súmula 330, do STJ, com o seguinte teor:

?É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514, do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial?.

Pela referida súmula, a defesa preliminar prevista no art. 514, do CPP, que deve ocorrer antes do recebimento da denúncia, no procedimento dos crimes (afiançáveis) de responsabilidade de funcionário público torna-se desnecessária quando a exordial acusatória está embasada em inquérito policial. E mais. Mesmo nos casos em que a denúncia não esteja embasada em inquérito, a falta da resposta preliminar do art. 514 constitui mera nulidade relativa, a ser argüida em tempo oportuno (sob pena de preclusão temporal), dependente de comprovação de efetivo prejuízo.

O equivocado entendimento sobre a dispensabilidade da defesa preliminar surgiu de uma incorreta interpretação do art. 514, do CPP, com o 513, do CPP, que dispõe que no procedimento dos crimes funcionais a denúncia será instruída com documentos ou justificação. Já a idéia de relatividade na nulidade por ausência da defesa preliminar decorreu do fundamento de que tudo quanto não fora argüido na fase do art. 514, pode ser argüido ao longo da instrução criminal.

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Inconformados com a súmula, escrevemos contra ela, em artigo publicado intitulado: ?Súmula 330 do STJ: violação dos princípios do devido processo criminal, do contraditório e da ampla defesa?. E assim argumentamos:

?O descumprimento da fase do art. 514 do CPP caracteriza, portanto, inadmissível violação ao constitucional principio do devido processo criminal. Recorde-se que o dues process of law retrata duas garantias: uma material, que é a garantia de um justo processo; e ?uma garantia procedimental que consiste no prévio conhecimento das regras procedimentais que regulam o justo processo, obrigando, assim, o Estado-Administração da Justiça (a Justiça) a respeitá-las (grifamos)?(1). Esta garantia procedimental (devido processo judicial ou procedimental), que constitui uma das dimensões do devido processo criminal, impõe ?que o processo deve se desenvolver conforme a lei (seguindo rigorosamente os ditames da lei).

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?E mais. Como é sabido, o inquérito policial é procedimento inquisitivo, não havendo nele o direito ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que a investigação policial é mera colheita de provas, não existindo ainda nessa fase policial, ?instrução? processual no sentido estrito, nem acusação formal. Assim sendo, a existência ou não de inquérito policial em nada anula a necessidade da defesa preliminar, porquanto na fase investigatória o suspeito ou indiciado não pode exercer o efetivo contraditório, nem a ampla defesa. De outro lado, a existência de inquérito policial não é uma garantia de que foram reunidas provas necessárias para a justa causa requerida no limiar da ação penal. Outro equívoco da súmula em questão (330) consiste em pressupor o que deve ficar evidenciado na fase contraditória prévia ao recebimento da denúncia. Em outras palavras, ela pressupõe satisfeita a justa causa com a simples existência do inquérito policial, quando na verdade o que a lei manda é que se verifique dentro do contraditório se existe ou não justa causa para a ação penal.

?Aliás, como a defesa preliminar tem a ver com o ato de recebimento ou rejeição da denúncia (ou queixa), somente após o oferecimento da exordial (da formalização da acusação) é que o acusado poderá a ela responder e tentar demonstrar ao juiz a inviabilidade da ação penal. Na fase inquisitória isso é impossível, porquanto não existe ainda denúncia oferecida e não é possível sequer saber se haverá e qual será seu exato conteúdo.

?Na verdade, a defesa preliminar do art. 514 do CPP, seja qual for sua finalidade, é o primeiro ato procedimental do direito de ampla defesa do funcionário acusado de um crime funcional. A primeira e única oportunidade para ele contraditar, no juízo a quo, os termos da inicial acusatória, na tentativa de demonstrar ao Juiz a inviabilidade da ação penal e assim impedir um processo eventualmente desnecessário e descabido.

?Ressalte-se que os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral (art. 5.º, LV, da CF/88). Assim, embora na fase do art. 514 do CPP ainda não tenha havido o recebimento da denúncia, já há acusação formal, e portanto, já há o direito ao contraditório e à ampla defesa.

?Como se vê, a falta da resposta escrita no procedimento dos delitos funcionais afiançáveis acarreta, de uma só vez, ofensa ao devido processo criminal, ao contraditório e à ampla defesa (que, aliás, deixa de ser ampla se o funcionário não puder exercitar um ato de defesa expressamente previsto no procedimento legal).

?A defesa inserta no artigo 514 do CPP, não é, portanto, ato dispensável e passível de acarretar mera nulidade relativa, mas ao contrário, é ato de defesa obrigatório do procedimento dos delitos funcionais, cuja inobservância acarreta irregularidade processual e constitucional, ensejando, conseqüentemente, nulidade absoluta, por ofensa aos princípios constitucionais citados.

?E sendo nulidade absoluta, independe de comprovação de prejuízo para o acusado, devendo ser decretada de ofício pelo juiz ou tribunal, ou argüida pela defesa em qualquer fase processual ou grau de jurisdição, não havendo preclusão nessa questão.

?A propósito, a necessidade de ?demonstração de efetivo prejuízo?, exigida pelos julgados citados, é outra expressão de retórica judicial, porque a supressão do direito de defesa preliminar, por si só, já constitui inegável prejuízo ao acusado. Primeiro porque descaracteriza o devido processo criminal e impede o efetivo e completo exercício do contraditório e da ampla defesa. Depois porque, uma vez não apresentada a resposta escrita, fica impossível saber se o juiz deixaria ou não de receber a acusação caso tal defesa tivesse sido apresentada. Em outras palavras, é impossível saber se algo que não existiu acarretou ou não prejuízo ao acusado ou deixou ou não de beneficiá-lo.

?Na vigência da revogada Lei de Tóxicos (Lei n.º 10.409/02), tanto o STJ quanto o STF firmaram o entendimento de que a falta da defesa preliminar antes do recebimento da denúncia acarretava nulidade absoluta do processo e assim determinaram a anulação, ab initio, de inúmeros processos nos quais não foi cumprida essa fase do procedimento dos delitos de entorpecentes. Leia-se:

?HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL ESTABELECIDO PELA LEI 10.409/02. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.

?A inobservância do rito procedimental estabelecido pela Lei n.º 10.409/02, constitui-se em nulidade absoluta, pois a ausência de apresentação de defesa preliminar desrespeita o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, encerrando inegável prejuízo ao acusado?. (STJ, HC 60.396/SP, j. 12/9/06, 5.ª Turma). No mesmo sentido STF, HC 87.346/MT, 1.ª Turma, Informativo 436 (2).

?Em duas hipóteses absolutamente idênticas, o STF e o STJ construíram entendimentos completamente contrários. Para as duas Cortes, no procedimento dos delitos de entorpecentes (leia-se drogas) a defesa preliminar é necessária mesmo que a ação esteja subsidiada em inquérito policial; e a inobservância dessa fase pelo juiz acarreta nulidade absoluta, por desrespeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório e por causar ?inegável prejuízo ao acusado?; já no procedimento dos crimes funcionais afiançáveis, a mesma resposta preliminar torna-se inútil ante a existência de um simples inquérito policial inquisitivo, e a falta de notificação do acusado para apresentá-la acarreta mera nulidade relativa, com a necessidade de a defesa demonstrar o ?efetivo prejuízo? para o acusado.

?Isso nos obriga a fazer algumas indagações inevitáveis: qual a diferença ontológica entre a defesa preliminar do art. 514 do CPP e a defesa preliminar (agora defesa prévia – sic) do procedimento dos crimes de drogas? Por que a existência de inquérito policial torna desnecessária a defesa preliminar do art. 514 do CPP, mas não torna desnecessária a defesa preliminar do procedimento de apuração dos delitos de drogas? (3) Teria o acusado de tráfico ilícito de drogas mais prerrogativas constitucionais e processuais do que o funcionário acusado de um delito funcional? Por que em um caso há nulidade absoluta e em outro há apenas nulidade relativa? Por que em um caso há ?inegável prejuízo? ao acusado e no outro o prejuízo tem de ser ?efetivamente demonstrado??

?Conferir ao inquérito policial inquisitivo a mesma força de um procedimento judicial contraditório significa privilegiar o Estado de polícia em detrimento do Estado constitucional e democrático de Direito. A Súmula 330 do STJ (e toda a interpretação nela embutida) viola a Constituição brasileira e significa um abominável retrocesso na construção de um processo penal garantista, condizente com o atual Estado constitucional e democrático de Direito?.

Esperançosos de que o entendimento veiculado na Súmula 330 do STJ seria afastado pelo Supremo Tribunal Federal, concluímos o artigo assim: ?no Informativo 450 do STF consta que a 2.ª Turma, no julgamento do HC 85.779/RJ (28.11.06), remeteu para o Plenário a questão sobre a necessidade ou não da defesa preliminar do art. 514 do CPP nos crimes funcionais. O HC foi impetrado contra decisão do STJ (decisão denegatória de HC), proferida com base na Súmula 330. Aguardemos a decisão do Pleno do STF. Sendo o guardião da constituição, com certeza fará uma ?interpretação conforme?, de caráter constitucional e garantista, negando qualquer validade para a Súmula 330 do STJ, que foi construída sob o espírito do Estado de polícia?.

E felizmente nossas previsões se confirmaram:

No julgamento do mencionado HC 85779/RJ[], em 28/2/07, a maioria dos Ministros reconheceu, expressamente, a necessidade de alteração da jurisprudência da Corte sobre a dispensabilidade da defesa preliminar do art. 514, do CPP. Frise-se que até o julgamento desse habeas corpus, o STF seguia o entendimento esposado na Súmula 330.

Por ocasião do julgamento do HC 85.779/RJ, o relator, Ministro Gilmar Mendes, proferiu irretocável voto, cujos trechos, com a devida vênia, passamos a transcrever:

?Sob a égide da Constituição Federal de 1988, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que eventual nulidade decorrente da não observância do art. 514 do CPP teria caráter relativo.

?A Constituição de 1988 (art. 5.º, LV) ampliou o direito de defesa, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

?Há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples manifestação direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar -como bem anota Pontes de Miranda – é uma pretensão à tutela jurídica.

?A afirmação desse novo sentido constitucional tem servido de base para revisitar a jurisprudência do Tribunal em uma série de questões penais ou que envolvam constrangimento da liberdade de ir e vir do cidadão. Arrolo alguns casos: crimes hediondos (HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 1/9/06), apelação em liberdade (Rcl 2391 (QO), Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 13/4/05), direito de defesa no inquérito policial (HC n.º 88.190, Rel. Min. Cezar Peluso, 2.ª Turma, DJ 6/10/06), direito de defesa nas Comissões Parlamentares de Inquérito (caso Brokers, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ. 4/8/06), prisão civil por dívida (RE n.º 349.703/RS, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento não concluído), dentre outros.

?Para análise da consistência dos fundamentos que norteiam a tese da jurisprudência que se consolidou nesta Corte, ressalto que aqueles que defendem resultar em nulidade relativa o não-cumprimento do art. 514 do CPP, o fazem sob o fundamento de que referida nulidade poderá ser argüida em tempo oportuno, tornando-se necessária a comprovação da existência do prejuízo. E entendem, ainda, que há prescindibilidade da aplicação deste artigo naqueles casos em que a denúncia for lastreada em inquérito policial.

?Creio, porém, que o caso concreto demanda análise desta orientação jurisprudencial, a partir da recente conformação que o direito de defesa tem recebido no Plenário deste Supremo Tribunal Federal.

?Ao se deparar com esse tema, ainda sob a égide da Constituição anterior, Oscar Corrêa já sustentava que possíveis nulidades decorrentes da não-aplicação do art. 514 do CPP teria caráter absoluto(…).

?Sobre a questão específica das nulidades nos crimes de responsabilidade de funcionário público, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho assim se manifestam sobre a não-observância do art. 514 do CPP:

?A falta de notificação resulta em nulidade absoluta, pois impede a fase essencial para a realização da defesa do acusado, mesmo que anterior ao recebimento da acusação. O fato de o acusado poder, depois, durante o desenvolvimento da relação jurídico processual, efetivar a sua defesa, não afasta a nulidade, pois não é possível saber se, com a resposta antecipada, podia ter evitado a instauração da causa. Ademais, protege-se, na espécie, interesse público da Administração consistente no resguardo de seus funcionários para que não sejam indevidamente processados?.

?Em última instância, entendo que uma persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito (CF, art. 1.º, caput). No caso concreto, portanto, vislumbro típica situação de violação do direito constitucional de defesa.

??Desse modo, ao contrário do sustentado pelo parecer da PGR (fls. 126/128), a simples alegação de que a denúncia teria se lastreado em inquérito policial não me parece fundamento jurídico idôneo para justificar o afastamento da norma do art. 514, do Código de Processo Penal. Tal afastamento, a meu ver, configura ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III), ao direito constitucional de defesa (CF, art. 5.º, LV), ao devido processo legal (CF, art. 5.º, LIV) e ao contraditório (CF, art. 5.º, LV)

?E, caso meu posicionamento seja vencido, considero que é hora do Supremo Tribunal Federal rediscutir a jurisprudência ora vigente, ao considerar ser de ordem relativa a nulidade decorrente do não cumprimento do art. 514, do CPP, e, ainda, que é prescindível a aplicação deste artigo naqueles casos em que a denúncia for lastreada em inquérito policial.

?Urge que este mesmo Supremo Tribunal Federal reconheça a atual imposição do pleno exercício do direito de defesa prévia, em conformidade com a recente conformação que o direito de defesa tem recebido desta Corte, independentemente mesmo da afiançabilidade do delito?.

No mesmo sentido do relator colocou muito bem o ministro Cezar Peluso que ?essa jurisprudência, fundada na necessidade ou desnecessidade de inquérito, com o devido respeito, para mim não tem consistência, até porque a Lei 8.038, que regula expressamente ações penais fundadas em inquéritos, prevê prazo igual e nem por isso dispensa defesa prévia?.

Por sua vez, o ministro aposentado, Sepúlveda Pertence, observou que essa jurisprudência sobre a desnecessidade da defesa preliminar, nos casos de denúncia baseada em inquérito, decorreu de um ?acasalamento indevido entre o art. 513 e o art. 514, do C.Pr.Penal?.

Após o julgamento do HC 85.779, houve o julgamento do HC 89.686, rel. Min. Sepúlveda Pertence, (DJU de 17/8/07, p. 57), no qual a Primeira Turma do STF consolidou o entendimento sobre a indispensabilidade da defesa do art. 514, do CPP, conforme ementa nos seguintes termos:

?(…) Ao julgar o HC 85.779, Gilmar, Inf. STF 457, o plenário do Supremo Tribunal, abandonando entendimento anterior da jurisprudência, assentou, como obter dictum, que o fato de a denúncia se ter respaldado em elementos de informação colhidos no inquérito policial, não dispensa a obrigatoriedade da notificação prévia (CPP, art. 514) do acusado. 4. Habeas corpus deferido, em parte, para, tão-somente quanto ao paciente , anular o processo a partir da decisão que recebeu a denúncia, inclusive, a fim de que se obedeça ao procedimento previsto nos arts. 514 e ss. Do C.Pr.Penal e, em caso de novo recebimento da denúncia, que o seja apenas pelo delito de concussão(…)?.

Neste HC 89.686, Sua Excelência, o Min. Sepúlveda Pertence, reconheceu que a jurisprudência firmada até então na Suprema Corte era pela dispensabilidade da defesa preliminar nas ações penais instruídas com inquérito, mas ressaltou em seu brilhante voto que:

?Em recentíssima decisão plenária (HC 85799, Pl, Gilmar, Inf. 457), contudo, houve virada da jurisprudência do Tribunal, para firmar, como obter dictum, o entendimento de que a notificação prévia não é dispensada ainda quando a denúncia se apóie em inquérito policial.

?Ressaltei naquela oportunidade que não ?há razões dogmáticas, nem, menos ainda, constitucionais, para persistir na orientação? anteriormente firmada.

?A verdade – observou com precisão José Frederico Marques – ?é que o artigo 513 do Código de Processo Penal não passa de reprodução do que dispunha o Código de Processo Criminal de 1832?, no qual não se admitia inquérito policial ?nos crimes funcionais? ou ?delitos próprios?.

?Incompreensível? – arrematou Frederico Marques – ?é que os autores do projeto do atual Código de Processo Penal não tenham atentado para isso e, em conseqüência, inserissem em seus textos uma norma obsoleta como a do art. 513, onde até em justificação se fala, e isso sem nenhum propósito?.

?Assim, a ausência de referência ao inquérito policial se deve ao fato de o art. 513 do C.Pr.Penal ter extraído do C.Pr.Penal que, à época de sua vigência, não admitia instauração de inquérito nos crimes funcionais.

?Vale dizer, a forma de obtenção dos elementos de informação nada tem a ver com a defesa preliminar prevista no art. 514 do C.Pr. Penal.

Assim, a interpretação correta é que, havendo inquérito, dispensam-se os elementos de informação mencionados no art. 513: nada mais do que isso?.

Como se vê, com os julgamentos dos habeas corpus n.º 85.779/RJ e 89.686/SP o STF afastou de uma vez o entendimento inserto na Súmula 330, do STJ, para reconhecer que a defesa preliminar do art. 514, do CPP é fase obrigatória do procedimento nos crimes funcionais, sob pena de nulidade do processo. Finalmente, após muitos anos e muitos equívocos interpretativos cometidos, a Suprema Corte deu ao art. 514 do CPP a importância que ele merece, fazendo uma releitura consentânea com as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e, nas palavras de Gilmar Mendes, com a dignidade da pessoa humana.

    Notas:

(1)     GOMES, Luiz Flávio, Direito Processual Penal. São Paulo: Editora RT, 2005, P.9.

(2)     A atual Lei de Drogas, como já ressaltado, também prevê a apresentação de defesa prévia antes do recebimento da denúncia (Lei 11.343/02, art. 55, caput e § 3.º), cuja inobservância, obviamente, também será entendida pelo STF e STJ como causa de nulidade absoluta tal como ocorreu na vigência da Lei 10.409/02.

(3)     Embora recebam nomes doutrinários diferentes, os dois institutos têm a mesma finalidade (discutir o cabimento da demanda penal) e a mesma natureza jurídica (são fases obrigatórias dos seus respectivos procedimentos).

 (4)     É pertinente informar que nesse HC 85779 foi negada a ordem, uma vez a condenação já havia transitado em julgado. A maioria dos Ministros entendeu que a nulidade decorrente da inobservância do art. 514, do CPP não poderia se sobrepor à coisa julgada. Vencidos, neste ponto, os Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, que votaram pela concessão da ordem.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Ipan – Instituto Panamericano de Política Criminal, consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino

Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)