Spitzer e Renan

Diz-se que a moral e os bons costumes variam de acordo com a latitude e a longitude. Variam também de acordo com a época. No Brasil têm excessiva elasticidade, em se tratando de políticos. Estes costumam ser lenientes, mesmo quando interesses públicos estão envolvidos. E mais ainda, quando envolvidos estão seus próprios interesses.

A vida privada de cada político pouco ou nada importaria na avaliação de sua vida pública, não fosse exigível que, ao se dedicarem ao trato das coisas do povo, deveriam ser exemplos de comportamento. Não se há de achar recomendável para um cargo de governante ou parlamentar alguém que na vida privada não pauta suas ações em conformidade com a boa moral e os bons costumes.

Entre nós tal soa como uma situação paradoxal, pois é exatamente entre os políticos que vamos encontrar uma expressiva estatística de pessoas que agem de forma frontalmente contrária a essa ética exigível, porém não exigida.

É recente o episódio de Renan Calheiros, então presidente do Senado Federal brasileiro, que foi acusado de pagar pensão a uma amásia e à filha que com ela teve, com dinheiro de origem duvidosa, fornecido por uma empresa empreiteira por ele ajudada em seus negócios com o governo. As pensões eram pagas em dinheiro através de um lobista a serviço da referida empreiteira.

O político alagoano, que é casado, nem enrubesceu diante da acusação que punha a nu sua pouco exemplar vida privada. E continuou na presidência do Senado, mesmo enquanto era processado, influindo nos passos do julgamento e mofando do Congresso e das instituições. A pressão crescente e num ato de defesa de seu mandato de senador, acabou se licenciando da presidência do Senado, mantendo o mandato, isso depois de até o Palácio do Planalto, do qual era aliado, haver deixado claro que ele era uma pedra no sapato do governo, inclusive de seu amigo presidente Lula. E tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes.

Nos Estados Unidos, acaba de explodir um escândalo com o governador de Nova York, Eliot Spitzer. Foi descoberto de que ele fazia volumosas despesas, quando viajava para Washington, capital do país, para pagar os serviços de uma rede de prostituição de luxo. Ex-procurador de Nova York, com uma história de severas investigações que moveu contra negócios financeiros escusos, Spitzer estava numa posição-chave na escolha do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos.

Não obstante, a revelação de que, sendo homem casado, vinha gastando com prostituição, mesmo provado que despendia o próprio dinheiro e não o público, levou-o à renúncia do cargo de governador. Nada de licença e muito menos de manipulações usando o cargo em manobras de defesa própria.

Perdeu a candidata Hillary Clinton, que receberia em convenção o seu voto. Aliás, será recompensada, pois o vice, deficiente visual e primeiro governador negro do Estado de Nova York, também é eleitor da ex-primeira dama.

Ganha a política com um passo de higienização na vida pública que se traduz pelo afastamento voluntário e exigido pela ética de um homem público que na vida privada agia de forma a pôr em dúvida sua atuação também na vida política.

No Brasil estamos muito distantes de comportamentos desta ordem. Aqui, mesmo aqueles que são pilhados pondo a mão na cumbuca no exercício de cargos públicos da maior relevância, recebem desculpas e até agrados do governo. Na nossa latitude e longitude, tudo parece permitido e nada é inescusável.

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