Na Assembléia Legislativa paranaense, nos tempos em que funcionava no antigo Palácio Rio Branco, era famoso um deputado do Norte do Paraná de ruidosa eloqüência. Não falava, mas bradava, rugia da tribuna. Quando discursava, se entusiasmava tanto que sua camisa ficava ensopada de suor. Vez ou outra pedia licença, interrompia o discurso e entrava na biblioteca, que ficava logo atrás da bancada dos parlamentares, onde tinha camisas de reserva. Trocava de camisa e voltava a berrar da tribuna. Seu apelido era “Leão do Norte”.
Certa vez, esbravejou tanto até que percebeu que daquela vez estava exagerando, mesmo considerando sua habitual exaltação. Interrompeu o discurso e, num gesto inusitado e inesperado, apontou o dedo para o próprio peito e repetiu, por várias vezes: “Sossega, leão! Sossega, leão! Sossega, leão!”. E a cada vez que dava pito em si mesmo, ia baixando a voz e a crista, até que se acalmou e retomou o discurso. Nos muitos, demasiados, anos de governo Fernando Henrique Cardoso, tivemos um discurso mais ou menos erudito e quase sempre pronunciado de forma calma por dirigentes com cara e títulos de sábios. O Brasil podia estar uma droga, mas sempre havia uma explicação e as autoridades não perdiam a pose. E, sejamos justos, agiam. Talvez sem melhorar a situação, mas sempre evitando, através de uma sintonia fina de nosso equilíbrio fiscal e econômico-financeiro, a quebradeira geral. Lembremo-nos da linguagem de um FHC ou de um ministro Malan. E do tom sereno de suas palavras, mesmo quando a casa estava ruindo. A oposição, por sua vez, rugia. Não foram poucas as palavras duras e os atos agressivos que pronunciou, referindo-se à situação do País, ao governo que abominava, aos seus métodos que repudiava. Chegou ao extremo de pregar o “fora FHC” como uma solução necessária, mesmo que antidemocrática, pois o presidente tinha sido eleito pelo voto popular.
Eis que a oposição se fez governo. O novo governo mostra ao Brasil e ao mundo que é confiável e até repisa os caminhos traçados pela administração anterior, usando as mesmas fórmulas, as mesmas soluções e, não raro, a mesma linguagem. O pronunciamento de Lula, anteontem, foi uma espécie de “sossega, leão!”, embora ele, o presidente, mesmo quando candidato, sempre foi mais comedido que a maioria dos integrantes de seu grupo. Deixou bem claro que tudo o que prometeu será cumprido, mas não agora, e sim no devido tempo. Estamos em época de vacas magras e engordá-las é a ordem do dia. Os problemas são graves e é preciso entesourar para criar condições de resolvê-los. É preciso entendimento para fazer as reformas necessárias e imprescindível conter seus correligionários mais impulsivos. Como bem disse o vice-presidente José Alencar, o governo vai bem, mas o País vai mal.
Ele, que é empresário e do PL, entende que alguma coisa precisa ser feita com urgência para, apesar dos constrangimentos financeiros, encetar por um rumo de desenvolvimento econômico. Lula e Palocci imprimem ao governo a imagem de “mão-de-vaca” e os números lhes dão razão. Razão também lhes dá o mercado financeiro nacional e internacional, demonstrando que o Brasil está recuperando confiança. A confiança que vinha perdendo desde a campanha eleitoral, quando o medo de Lula fazia as cotações do dólar explodirem e os investimentos desaparecerem. A troca de camisa na biblioteca teve o seu efeito positivo.