Está aberta a temporada de discussão sobre o direito de pôr fim à própria vida, principalmente para aqueles que, por razões físicas (ou mesmo emocionais), perderam a condição de seguir vivendo dignamente. Quando morre uma pessoa que nos é querida, sob qualquer circunstância, ficamos desconsolados com a dor trazida pela sua falta e assim choramos, sobretudo, por auto-piedade. Nesse passo, é certo afirmar que a morte alheia nos provoca reações profundas, por isso primamos pela preservação da vida, mesmo que o preço seja uma infelicidade permanente.
Por essa razão, poucos acontecimentos chocam tanto como o suicídio. Atônitos, todos sempre se perguntam: por quê? Ou, ainda: como pode? Mas, conduzindo a discussão para o foro íntimo das nossas vontades mais obscuras, penso que essas perguntas encobrem outra, inconfessável: não seria o suicídio a solução?
Justamente as condutas mais chocantes nos põem contra a parede devido ao seu poder de desestabilização emocional. Na verdade, temos mais medo da vida do que da morte, aliás, pela morte nutrimos, por assim dizer, uma paixão platônica.
Flertamos com ela a todo instante, seja em pensamento ou atitude. E como não sabemos definir o que é viver, a morte se apresenta como uma solução nefasta, mas possível. Estamos sempre a buscar uma razão para justificar a impotência de sermos felizes, e contra a morte não há argumentos. A morte tem uma estabilidade que a vida jamais poderá oferecer, já que viver é inconstante por essência.
Então suicidamo-nos um pouco a cada dia, rumando para os braços dessa amante perversa. Sim, porque não existe apenas o escancarado suicídio rápido, mas também o lento e dissimulado. Cada vez que cometemos um ato auto-destrutivo estamos nos suicidando, seja física, moral, sexual ou mentalmente. Entupimo-nos de porcarias de comer, fumar, tomar, gozar, saber, fazer, pensar. Tudo que nos dê a sensação de estarmos realmente vivos. Queremos tudo e a todo instante, mas não sabemos exatamente o quê. Somos todos, por isso, suicidas natos e vocacionados.
Assim, se de um lado estão aqueles que, diante de uma limitação na sua capacidade de viver, desejam o suicídio, de outro, estamos todos nós, porque, em face da nossa constante frustração existencial, também atentamos veladamente contra a própria vida.
Sugiro que em vez de ficarmos na defensiva, proferindo julgamentos fáceis e hipócritas acerca de quem, por razões objetivas, deseja suicidar-se, cuidemos da própria vida, buscando fazer as pazes com nosso medo de viver.
Djalma Filho é advogado