Solução criativa

A garantia de um salário mínimo decente sempre foi uma das principais bandeiras do Partido dos Trabalhadores que, no passado, gastou rios de tinta para provar que é impossível uma família normal, com pelo menos dois adultos e duas crianças, viver com essa mixaria historicamente paga. Sensível ao problema, o presidente Lula fez inscrever entre suas promessas de campanha a dobra do valor do salário mínimo ao longo dos quatro anos de seu mandato. Dos R$ 240,00 atuais, o novo valor deverá ser, portanto, vizinho dos R$ 500,00 quando 2006 chegar ao fim. Já deu para ver que não será.

O governo do PT está gastando outro rio de tinta para justificar que não tem condições de aumentar o mínimo para além de R$ 270,00. Como coisa certa, mesmo, admite a correção da inflação sobre o valor atual, o que elevaria o salário mínimo em míseros nove reais. Depois de uma longa reunião de ministros, assessores e outros condestáveis da República na quarta-feira que passou, o Planalto anunciou que o problema não está resolvido porque o presidente Lula quer dar aumento um pouco maior que a inflação. Mas está esbarrando nas dificuldades de sempre. Não sabe de onde tirar dinheiro para honrar com a parte que lhe cabe, isto é, os aposentados.

As contas são catastróficas: cada real acima dos R$ 249,00 indicados pela área econômica significaria um gasto adicional anual aos cofres públicos de R$ 214 milhões. Vai daí que os R$ 280,00 defendidos por alguns partidos da base governista significariam um rombo superior a seis bilhões e meio de reais. Um salário mínimo de R$ 300,00, como defende o PMDB, elevaria esse buraco para cerca de onze bilhões de reais por ano. Até os R$ 270,00 – limite até aqui máximo sinalizado pelo governo – significariam um buraco de quase quatro bilhões e meio de reais.

Há ainda a questão da data. Se Lula decretar o novo salário mínimo para 1.º de maio, seguindo a antiga tradição, terá que compensar o mês de abril. O PMDB, por exemplo, emperra na proposta de retroação do novo salário para 1.º de abril. Considera “inadmissível que os trabalhadores que recebem salário mínimo fiquem 13 meses sem reajuste”. É muito chato um governo de trabalhadores estar sendo chamado às falas exatamente em matéria da salário mínimo. Diriam alhures que falta “vontade política”. Ou está perdido no meio dessa “herança maldita” que lhe impede a tomada de uma decisão?

Figura lendária em matéria de salário mínimo, o senador Paulo Paim, das hostes petistas gaúchas, já fez as contas para provar ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que, no valor de hoje, o salário mínimo não garante a sobrevivência de uma família. Pelos seus cálculos sobram apenas R$ 17,00 para alimentação – o que significa um litro de vinho mediano ou menos que o preço de um prato para dois em qualquer restaurante. De fato, é muito pouco para as três refeições diárias preconizadas pelo presidente em seu discurso de posse.

O desafio está posto. Sem resposta à vista, o presidente Lula mandou que todos fossem para seus lugares e voltassem trazendo uma solução criativa. Ou inovadora. Algo assim que permitisse o aumento do salário mínimo para próximo de um valor equivalente a cem dólares sem, entretanto, causar estragos na combalida Previdência. Como? Sugere-se até desenterrar velhos penduricalhos como o salário família, atualmente fixado em R$ 13,00 mensais. Aumentar essa verba significaria aumento, mas não linear. Beneficiaria trabalhadores com salários até R$ 500,00 e aposentados acima de uma certa idade (65 anos para os homens, 60 para as mulheres). Mas seria sempre um penduricalho, não aumento do mínimo.

Aguardemos, pois, a solução criativa e inovadora de um salário mínimo capaz de fazer jus às expectativas criadas pelo governo que se diz dos trabalhadores. E que ainda deve à nação o espetáculo do desenvolvimento e a geração de empregos.

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