Deveriam correr para as bilheterias os espectadores das cidades Rio, Brasília e Curitiba por onde vão passar, depois das apresentações no Festival Internacional de Londrina, os espetáculos Salt, do grupo dinamarquês Odin Teatret, e After Eros, da coreógrafa Maureen Fleming, japonesa radicada nos EUA. São imperdíveis. Ambos são solos de duas mulheres talentosas, expressivas, intensas e, sobretudo, possuidoras de técnica apuradíssima: Roberta Carreri, do Odin, e Maureen.
Salt faz sua última apresentação amanhã (14) em Curitiba depois segue para Brasília, onde é apresentado nos dias 21 e 22 no Centro Cultural Banco do Brasil, mesma instituição que recebe o espetáculo no Rio, nos dias 25 e 26. Infelizmente, São Paulo ficou fora da rota. Mais uma vez foi um acerto distribuir o texto da peça, falada em italiano legítimo, não aquele das telenovelas e, portanto, incompreensível para quem não domina o idioma. Fundamental lê-lo antes, para assim esquecer a tentativa de compreensão literal e entregar-se à fruição da muito bem elaborada partitura cênica. Escrito em primeira pessoa, esse texto de Antonio Tabucchi dá voz a uma mulher que volta à cidade de sua juventude para recolher lembranças de um grande amor precocemente perdido.
No palco, Jan Ferslev encarna a imagem já fugidia desse amor e, a um só tempo, executa ao vivo a trilha sonora por ele próprio composta, elemento dramático fundamental na densidade desse drama. Terra, fogo e água entram na composição da cena e contribuem para a criação de imagens plenas de significados como a da mala carregada pela atriz, da qual sai constantemente um fio de areia - na verdade sal, símbolo da vida.
Num outro momento, a significação nasce do contraste provocado pelo gestual quase displicente, cotidiano, com que a atriz faz um café e a forma como ela ‘desenterra’ de um monte de areia os utensílios domésticos para prepará-los, da cafeteira aos candelabros que embelezam a mesa. O tempo que se esvai, as perdas, a vida sob a cortina da memória são temas universais expressos nas belas imagens dessa montagem.
No palco, a interpretação de Roberta, uma belíssima mulher de 50 anos – 31 deles no Odin sob direção de Eugenio Barba – destaca-se pelo perfeito equilíbrio entre expressividade e domínio técnico. Sem contar sua beleza. Como o amor retratado em Salt, os suspiros dos marmanjos ainda perduram pela cidade, bem depois de sua partida.
Em After Eros, que o CCBB do Rio abriga na quinta e na sexta, a música assinada por Philip Glass tem igual força dramática e, num dado momento, também é executada ao vivo, num piano de cauda, pelo músico Peter Philip.
Maureen adverte que seu espetáculo – uma linguagem que mescla butô e dança clássica – pede fruição semelhante à exigida pelas artes plásticas. Faz sentido. Na primeira cena, ela parece suspensa no palco escuro; só se vê seu corpo iluminado, fluorescente. Dançando nua e com movimentos lentíssimos, seu corpo parece perder a configuração para formar imagens abstratas de intensa beleza. Mais que a união entre clássico e butô, a dança de Maureen resulta numa interessante mescla de culturas: por um lado, o fascínio ocidental pela sucessão de imagens e pelos recursos tecnológicos; por outro, a percepção telúrica e oriental do tempo. Não é espetáculo fácil e provocou uma sinfonia de tosse nervosa no lotado Teatro Ouro Verde, de 830 lugares. Mas também um aplauso entusiasmado ao final.