Sociologia no Ensino Médio: sugestões para um ensino “crítico”

Nos últimos anos ganhou notável impulso o movimento favorável à inclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio. Outrora denominado de “científico”, esse nível de instrução, entre outras coisas, visa a transmitir aos estudantes uma percepção geral da realidade, conforme os diversos fenômenos reais produzem-se, além de desenvolver e aperfeiçoar um espírito de curiosidade e de compreensão acurada do real. Tradicionalmente limitado às ciências mais simples, Matemática, Astronomia, Física, Química e Biologia, no Ensino Médio a realidade propriamente humana deveria ser suprida pelas disciplinas de História e Geografia, talvez acompanhadas de eventos ou tópicos complementares. À parte a inovação dos “temas transversais” (que procuram dar um sentido social e concreto às várias disciplinas), existe uma lacuna tremenda no currículo: falta uma reflexão a respeito da sociedade propriamente dita, da mesma forma como uma reflexão geral sobre o próprio ato de refletir e de pensar: cabem aí a Sociologia e a Filosofia.

Como nossa área de trabalho e pesquisa é a Sociologia, é nela que nos concentraremos. Assim, de maneira mais específica, qual o objetivo do ensino da Sociologia? Será indicar, por um lado, a diversidade das sociedades e, por outro lado, as desigualdades que existem entre diversas delas? Será expor as várias teorias que se formularam e se formulam sobre as sociedades? Será indicar como as sociedades são possíveis, isto é, quais seus elementos componentes? Será, por fim, indicar como esses elementos constituintes modificaram-se ao longo do tempo, ultrapassando o mero e enfadonho relato cronológico da história factual (erroneamente chamada de “positivista”)?

Talvez sejam todos eles. É evidente que em apenas um ano de apresentação da Sociologia no Ensino Médio esses tópicos não serão abordados em profundidade: a preocupação é, antes de mais nada, fazer uma apresentação geral da disciplina. Em todo caso, um programa bem montado e criativo pode, sem grandes dificuldades, conjugar com calma todos esses temas de maneira adequada.

Entretanto, o que importa notar, além das generalidades até aqui apresentadas?

A Sociologia no Ensino Médio deve servir a dois objetivos: por um lado, deve fornecer indicações gerais aos estudantes do que é a sociedade, como ela constitui-se, como se mantém. Os estudantes devem aprender que a tão falada “sociedade”, presente em todos os discursos atuais, não é a soma dos indivíduos ou dos egoísmos particulares nem são as estatísticas, mas é uma realidade toda própria, ou seja, existe algo chamado “sociedade” que, apesar de abstrato, é real e tem suas qualidades específicas. Em outras palavras, devem entender que a “sociedade” existe e que é possível estudá-la cientificamente.

Por outro lado, os estudantes devem ter alguma coisa como uma “sensibilidade social” estimulada e desenvolvida, ou seja, devem perceber que vivem em sociedade, que em diversas ocasiões o objeto de estudo também se refere a eles e mesmo são eles e, que, por fim, a Sociologia pode ser e é útil para suas vidas cotidianas. Em outras palavras, devem perceber que a Sociologia tem uma preocupação prática e que, ademais, é possível utilizá-la para melhorar a realidade.

Esses dois objetivos, ainda que mantendo inúmeras e profundas relações entre si, são distintos e não se deve confundi-los nem, muito menos, subordinar um ao outro. Assim, por exemplo, uma suposta apresentação “neutra” deve ser evitada, não apenas porque “o objeto de estudo não deixa de ser o próprio estudioso”, mas porque a ciência não existe desvinculada da realidade, não surge sem que os pesquisadores tenham interesse nela ou que estejam por ela “apaixonados”.

Essa perspectiva “asséptica”, entretanto, não nos parece muito factível nos dias atuais. Nos mais variados países põe-se acento cada vez maior nos temas sociais e a investigação científica torna-se cada vez mais consciente de sua origem e de sua destinação sociais, o que inclui desde as mais abstratas teorias matemáticas e físicas até os mais concretos experimentos em engenharia, na agricultura e na economia. O Brasil não é exceção a essa tendência, muito ao contrário, aliás, nosso país tem amadurecido muito nesse sentido, em virtude de preocupações bastante próprias.

O viés que mais se deve evitar no ensino da Sociologia, na verdade, é exatamente o oposto do apresentado acima, consistindo no exagerar as pretensões práticas da Sociologia, propondo um ativismo político que simplesmente não cabe nela. Essa perspectiva acaba negando a legitimidade da pura e simples pesquisa científica, ao impor-lhe critérios que pouco ou nada têm a ver com ela e desvalorizando como inúteis, tendenciosas ou “alienadas” as que fogem de seu padrão. Da mesma forma, propõe diversas formas de voluntarismo político, ou seja, de capacidade messiânica de alguns indivíduos “mudarem” ou “salvarem” a sociedade.

De fato, o que mais se percebe é a instrumentalização do ensino da Sociologia, o mesmo aplicando-se à Filosofia no sentido da politização dos estudantes a favor de uma tendência política. Sendo mais diretamente polêmico: de modo geral, quando se propõe um “ensino crítico”, particularmente da Sociologia, o que se quer dizer é um ensino politicamente orientado, enviesado de acordo com uma e uma única perspectiva política, o marxismo. Nesse sentido, não se trata de ensino de Sociologia, mas apenas de doutrinação.

É o óbvio ululante e como tal é sempre necessário ser repetido: a Sociologia deve ser ensinada como um todo, isto é, deve-se ter uma visão de conjunto dela ao mesmo tempo que, em sua exposição, todas suas partes devem ser respeitadas. De nada adianta um ensino que falsamente hipertrofie uma parte à custa da outra: o resultado é igualmente daninho, seja por esterilizante e imobilista, seja por alienante e voluntarista. Óbvio ululante: se há uma concepção de ensino “crítico” da Sociologia, que seja o da crítica científica e da crítica política responsável, não a crítica doutrinária, cujo resultado é sempre o descrédito da Sociologia como disciplina científica e como proponente de políticas sociais.

Gustavo Biscaia de Lacerda

é professor de Teoria Política no Instituto Blumenauense de Ensino Superior (IBES) e mestrando em Sociologia Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
gustavobiscaia@yahoo.com.br

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