?A empresa concessionária de sistema de distribuição predial de água factura de dois em dois meses, com o agravamento que isso representa por causa dos escalões, e, entre outras rubricas, lança à cobrança um importância fixa a que chama ?quota de disponibilidade?.
Para além do saneamento básico (efluentes dos resíduos sólidos).
O consumo, como se compreende, é muito inferior a todas as outras parcelas, o que é um verdadeiro escândalo porque as tarifas atingem valores muito elevados.
Além disso, o concelho não tem rede de esgotos. Como é que a empresa, que é privada, se pode permitir pôr à cobrança tais montantes??
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1. Se se tratasse de um serviço municipal ou intermunicipal ou de empresa com um âmbito de intervenção análogo, regeria o DL 207/94, de 6 de Agosto, e o Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23 de Agosto, que aprova o Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais.
O primeiro dos diplomas, no seu artigo 22, sob a epígrafe facturação, dispõe:
?as facturas emitidas pela entidade gestora podem ser mensais e discriminar os serviços eventualmente prestados, as correspondentes tarifas e os volumes de água e de águas residuais que dão origem às verbas debitadas e os encargos de disponibilidade e de utilização?.
2. Como se trata, porém, de empresa concessionária de serviço público, rege o Decreto-Lei 147/95, de 21 de Junho, que no seu artigo 9.º, n.º 4, estabelece imperativamente que a facturação é mensal, não se afigurando lícita a apresentação de facturas de dois em dois meses.
3. O consumidor pode recusar-se a pagar o montante apresentado pelos prejuízos que o ?sistema? lhe acarretará, com o necessário agravamento dos escalões.
4. Deve do facto dar parte ao Município concedente para que à Concessionária se apliquem as cominações emergentes do incumprimento do contrato de concessão.
5. No que tange à avaliação do consumo nestes casos, se outra disposição não constar do contrato de concessão, vigora supletivamente o artigo 299 do Regulamento a que se aludiu noutro passo, que reza assim:
?Em caso de paragem ou de funcionamento irregular do contador ou nos períodos em que não houve leitura, o consumo é avaliado:
a) pelo consumo médio apurado entre duas leituras consideradas válidas;
b) pelo consumo de equivalente período do ano anterior quando não existir a média referida na alínea a);
c) pela média do consumo apurado nas leituras subsequentes à instalação do contador na falta dos elementos referidos nas alíneas a) e b).?
6. As quotas de disponibilidade, como o refere, mais não são do que consumos mínimos encapotados lançados especulativamente nas facturas. A isso obsta o artigo 8.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que prescreve imperativamente que ?são proibidas a imposição e a cobrança de consumos mínimos?.
7. A imposição e a cobrança de consumos mínimos configuram crime de especulação, previsto e punido pelo artigo 35 da Lei Penal do Consumo Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro -, a saber:
?1. Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
a) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro legítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;
c) Vender ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.
2. Com a pena prevista no número anterior será punida a intervenção remunerada de um novo intermediário no circuito legal ou normal da distribuição, salvo quando da intervenção não resultar qualquer aumento de preço na respectiva fase do circuito, bem como a exigência de quaisquer compensações que não sejam consideradas antecipação do pagamento e que condicionem ou favoreçam a cedência, uso ou disponibilidade de bens ou serviços essenciais.
3. Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias.
4. O tribunal poderá ordenar a perda de bens ou, não sendo possível a perda de bens iguais aos do objecto do crime que sejam encontrados em poder do infractor.
5. A sentença será publicada.?
7.1. Do mesmo passo, a cobrança de importâncias de serviços não prestados, como é o caso dos esgotos que, na circunstância não existem.
8. A responsabilidade criminal das pessoas colectivas ou equiparadas, como é o caso, é afirmada no n.º 1 do artigo 3.º da Lei Penal do Consumo:
?As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgão ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.?
9. A responsabilidade de tais entidades não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes, impondo-se às sociedades civis e comerciais a responsabilidade solidária, nos termos da lei civil, pelo pagamento das multas, coimas, indemnizações e outras prestações em que forem condenados os agentes (n.ºs 3 do artigo 3.º e 3 do artigo 2.º da Lei Penal do Consumo).
10. Pelos crimes previstos na Lei Penal do Consumo são aplicáveis às pessoas colectivas e equiparadas as seguintes penas principais:
– admoestação
– multa
– dissolução
(n.º 1 do artigo 7.º da Lei Penal de Consumo)
11. Para além do mais, há penas acessórias que poderão levar ao encerramento temporário ou definitivo do estabelecimento (artigo 8.º da enunciada Lei).
12. Os consumidores podem, nos termos do artigo 12 da Lei do Consumidor, exigir a reparação dos danos materiais e morais pelo fornecimento de serviços defeituosos, como é o caso, podendo a indemnização ser requerida nos autos de processo penal que vierem a ser instaurados.
Em conclusão
1. As empresas concessionárias de serviços públicos de abastecimento de água têm de emitir facturas mensais, sob pena de responsabilidade.
2. Não é lícito facturar eventuais quotas de disponibilidade que são autênticos consumos mínimos encapotados, porque a lei o proíbe Lei n.º 23/96 artigo 8.º.
3. Tão pouco de saneamento básico, de efluentes, se não existir.
4. Pelo agravamento dos escalões com a facturação bimestral e pela cobrança de consumos mínimos comete a empresa o crime de especulação DL n.º 28/84 artigo 35.
5. A Lei Penal do Consumo consagra de forma aberta a responsabilidade penal das sociedades comerciais, abandonando-se o velho brocardo societas delinquere non potest: daí as concessionárias de serviços públicos poderem responder, penalmente pelas condutas dos seus representantes, desde que haja conexão entre o comportamento do agente e o ente colectivo, como parece ser o caso.
6. No limite, a dissolução da sociedade mercantil poderá ocorrer, de par com outras sanções acessórias.
Mário Frota é professor da Universidade Lusíada. Professor Convidado da Universidade de Paris XII onde rege a cadeira de Direito Europeu das Obrigações (Responsabilidade Civil) desde o ano académico de 1991/92. Presidente da APDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo