Pelé tinha consciência do que sabia e se portava integralmente como tal. Nem mais nem menos. Outro brasileiro digno do codinome real, Alberto Santos-Dumont também nunca pensou com a cabeça dos outros. Numa certeza inquebrantável venceu o inimaginável, contrariou especialistas franceses e voou em balões minúsculos até colocar uma máquina com propulsão própria no ar e abismar o mundo. Cito-o pela clareza que tinha em relação a si. Da família francesa do pai, o Dumont, da mãe brasileira, o Santos, que ele uniu com hífen para atestar sua ligação com as duas pátrias. Mas, sempre foi muito mais brasileiro. Seu primeiro balão foi o Brasil, bem antes de Ayrton Senna já levava nossa bandeira em suas vitórias no ar e usava o máximo de materiais brasileiros, inclusive madeira do pinheiro do Paraná.
Os dois são brasileiros com uma coisa em comum: sabiam que sabiam, não precisavam pedir a bênção a ninguém e por isso venceram. O que falta ao Brasil é exatamente isso. A fé no taco, a certeza de que somos diferentes, que temos grandes alternativas aos desafios contemporâneos, que não somos obrigados a ler pelas cartilhas dos outros. Mas, desgraçadamente, caminhamos no sentido inverso. Como os vira-latas de Nelson Rodrigues ficamos focinhando as lixeiras norte-americanas, nos deliciando, até que um pontapé bem dado nos leva a ganir com o rabo entre as pernas-patas.
Há dois meses, passando uns dias em Superagüi, presenciei um caso exemplar. Um grupo de paulistas recém-chegado do ABC reclamava da falta de infra-estrutura na ilha, uma de nossas mais belas reservas naturais. Apesar da já excessiva intervenção humana no local, o líder do grupo vociferava que faltavam “coisas básicas”, como garçons atendendo aos turistas na areia, hotéis com piscina, etc. E tascou à queima-roupa: “É só entregar isso aos americanos, que vocês vão ver! Em um ano isso está com a cara de primeiro mundo. Lá o pessoal sabe como ganhar dinheiro!”.
Afastando-me, pensei que, infelizmente, estava ali o representante de muitos outros brasileiros. Daqueles que têm Miami como meca, que ficam na área de serviço esperando que uma alma caridosa lhes traga um pratinho ou os deixem entrar por alguns instantes. Não enxergam que de onde vieram há salões de festas muito maiores e bonitos, com música mais vibrante e pessoas mais felizes. Não vêem o óbvio ululante.
PS: Um doce para quem descobrir quem levou o Pelé para ensinar o futebol em seu país e que até hoje insiste que quem inventou o avião foram os irmãos Wright. Respostas para:
Douglas de Souza (domingo@parana-online.com.br) e editor de Cidades e Caderno de TV em O Estado
