Sobre meios e fins

O movimento sindical, a oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva e os “radicais” do PT têm sólidas razões para justificar as suas críticas ao projeto que estabelece a independência do Banco Central a partir do próximo ano. Apenas um desses argumentos, porém, bastaria para os defensores do projeto reconsiderarem suas posições: as experiências mal-sucedidas acumuladas pelo próprio governo federal sempre que o corpo burocrático tomou decisões técnicas isoladamente, sem submetê-las ao crivo dos demais segmentos da sociedade.

O exemplo mais acabado desse equívoco vem do atual deputado federal Delfim Netto (PP/SP). Ex-ministro da Fazenda do general Emílio Médici e ex-ministro do Planejamento de João Figueiredo, Delfim sempre foi um defensor intransigente da tese de que, em se tratando de economia, é preciso primeiro acumular as riquezas para só depois dividi-las.

Sustentada pelo autoritarismo do regime, sem nenhuma consulta à sociedade, esta máxima resultou no aprofundamento da recessão, da miséria e das desigualdades sociais. Nem poderia ser diferente. Em uma economia de mercado com as características da brasileira, acúmulo de riquezas significa, quase sempre, exploração da mão-de-obra assalariada e concentração de renda.

O fato de a independência do Banco Central estar sendo discutida em um contexto político-histórico completamente diverso do existente no regime militar não modifica o cerne do problema. O que se discute, basicamente, é se os argumentos supostamente técnicos podem se sobrepor aos políticos. A resposta, creio, é não.

Entenda-se que o BC deve estar subordinado ao governo não para que se submeta aos ditames da política de alianças do Palácio do Planalto, mas para que atue afinado com o interesse público. São os setores mais representativos da sociedade, junto com a área econômica do governo, que devem ditar os rumos do Banco Central. Daí porque o Copom (Conselho de Política Monetária do Banco Central) cometeu um equívoco ao ignorar as reivindicações do setor produtivo e reduzir em apenas 0,5 ponto a taxa de juros básica da economia.

Curiosamente, foi o próprio vice-presidente da República, José Alencar, quem utilizou os argumentos mais contundentes para condenar esse erro. Disse que o Banco Central tem agido como se a preservação da estabilidade da moeda fosse um fim em si mesmo, não um meio, para promover o desenvolvimento econômico do País. E afirmou que, mantidas essas taxas de juros, nenhum empresário teria interesse em investir na produção, mas sim na especulação.

Foi por não levar esses princípios em conta que Fernando Henrique Cardoso entregou uma economia em frangalhos para Lula, no que diz respeito ao crescimento da dívida pública, do PIB e das desigualdades na distribuição da renda nacional. A independência do BC significa uma repetição dessa mesma fórmula porque aposta na tese de que os fins estabelecidos por uma lógica puramente econômica podem justificar a adoção de meios absurdos para garantir a estabilidade da moeda, numa repetição da velha receita preconizada por Nicolau Maquiavel. O problema é que essa fórmula, como já vimos antes, tende a levar o Brasil a lugar nenhum.

Aurélio Munhoz

(política@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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