Sobrando dinheiro

Além de centralizador em demasia e falastrão imprevisível em seus improvisos, o presidente Lula tem outro cacoete entre os tantos já revelados: guarda dinheiro debaixo do colchão enquanto reclama da vida dura e do bolso vazio a seus ministros e à nação. Não se trata de invenção maldosa ou coisa de oposição. Está lá no Siafi – Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro: o ano de 2003 findou com mais de 153 bilhões de reais parados nos fundos do escuro cofre da União. A soma representa 55% a mais que o volume recebido das mãos do governo de FHC na virada de 2002 – um saldo positivo para ninguém colocar defeito.

Aparentemente, esse dinheiro faria parte do chamado superávit primário, exigência, ao que se diz, do FMI – Fundo Monetário Internacional. Mas nem tudo seria o que parece ser. Só da Cide (a contribuição sobre combustíveis, que Lula sequer sabia o que significava na reta final do primeiro turno da campanha), que deveria financiar investimentos em infra-estrutura, estão retidos no caixa do Tesouro quase nove bilhões de reais. Fica assim um pouco complicado explicar, na prática, o pouco caso da buraqueira nas principais estradas de todo o País. Ou o abandono das escolas, da saúde pública e de tantos outros serviços essenciais às comunidades.

Explicações técnicas para tamanha folga de caixa, lógico que existem. Mas para o povo, sempre alheio às filigranas contábeis ou exigências do FMI ou da Lei de Responsabilidade Fiscal, fica difícil entender os motivos da posição do governo com relação à alta dos tributos e contribuições, aí incluída a CPMF – Contribuição (ainda) Provisória sobre Movimentações Financeiras que tanto o PT combatia a seu tempo de oposição. Afinal, com tanta dinheirama sobrando lá, em homenagem aos recursos que estão faltando aqui, a gente poderia até pensar em pagar menos impostos. Ou pelo menos não ter que pagar mais do que já paga.

Mais complicadas ainda ficam as coisas quando se sabe que o governo guardou debaixo do seu colchão até dinheiro em tese destinado ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, formado com parte da receita da CPMF e voltado para financiar ações do programa Fome Zero. E não é pouco. O Siafi fala em coisa de três bilhões de reais – montanha de dinheiro que bem poderia estar mitigando a fome de muita gente já sem esperança e que, conforme o próprio discurso de Lula, não pode deixar para comer amanhã…

Só a ?esterilização? (termo usado para denotar a impossibilidade técnica de uso de verbas para os fins a que se destinam) de tais recursos já justificaria, com sobra de razão, as críticas de gente como a coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, às políticas sociais do governo petista que aí está. Segundo ela, é a burocracia em excesso que está atravancando a ampliação do atendimento aos brasileiros miseráveis. Se dinheiro existe e não pode ser usado nem mesmo para o pagamento da dívida, eis em carne e osso o fantasma da burocracia citada e que, segundo Zilda Arns, ronda e assusta também a área da educação, onde o número de alunos em alfabetização sob a responsabilidade da Pastoral da Criança também murchou de 27 mil para 11 mil…

Lula precisa escolher, portanto, entre ser aquele gestor disposto (com ?vontade política?, para usar sua expressão preferida durante a campanha) a resolver os problemas brasileiros, ou aquele administrador aprisionado pelas amarras da burocracia que tem explicações para tudo, mas pouca coisa, na prática, resolve. Até aqui, ele justificou seus atos com desculpas, ora calcadas na vertente da herança maldita, ora naquela do tempo necessário à maturação de projetos e programas. Mas o Brasil exige soluções, não desculpas. E já.

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