Na Europa, para onde foi logo depois das eleições, o presidente Fernando Henrique Cardoso desenvolveu o papel de uma espécie de ministro sem pasta do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Percebeu o momento delicado entre antigos parceiros e disse aos portugueses, cujas empresas privadas e públicas colocaram-se em terceiro lugar nos investimentos estrangeiros efetuados no Brasil (abaixo apenas dos Estados Unidos e Espanha) ano passado, que os compromissos de Lula serão no sentido de cumprir contratos e levar avante o programa de responsabilidade fiscal.

Mesmo sem delegação formal de seu sucessor, FHC procurou ser convincente. Os que confiaram no Brasil – disse ele – confiaram num país que é sério, que respeita os seus contratos e considera a inflação um flagelo. Mais: não há possibilidade de quem quer que seja afastar-se desses compromissos, pois “a força das instituições democráticas e o clima de liberdade não permitiriam isso, e nem é essa a intenção do novo governo”. O presidente procurou esbanjar tranqüilidade em tudo. “Vim a Portugal – disse ele – certo de que deixo um país tranqüilo e tudo que dissemos hoje aqui vale para o futuro.”

Os portugueses gostaram. O primeiro-ministro Durão Barroso, que já conversou com Lula depois das eleições, esforçou-se por demonstrar confiança. Elogiou a democracia brasileira e os “fundamentos sólidos” da nossa economia. Antes, ouvira de FHC que tudo o que estava sendo dito naquelas terras portuguesas valia, também, para o futuro. “A relação entre nossos países é ?indestrutível?”, disse Durão Barroso.

Apesar do discurso e das considerações de Fernando Henrique Cardoso no sentido de que, mesmo não falando em nome de Lula, tinha a certeza de que o presidente eleito vai respeitar contratos, Portugal não será mais o mesmo. No ano passado, mais da metade (56%) dos investimentos portugueses no exterior foram carreados para o Brasil, totalizando cerca de dezesseis bilhões de dólares. “Não é correto um país como Portugal concentrar grande parte de seus investimentos num só país”, disse a ministra das Finanças portuguesa, Manoela Ferreira Leite.

A mudança é sutil e valoriza a percepção do momento do presidente FHC. Enquanto, na Europa, ele procurava aplainar os caminhos para o Brasil dos próximos anos, aqui em território nacional o presidente eleito cumpria mais uma etapa de sua peregrinação pós-eleição. Foi à Bahia, onde obteve percentualmente a maior vitória. Depois de abraçar mães-de-santo e o próprio Antônio Carlos Magalhães, Lula prometeu visitar todos os estados e manter o melhor relacionamento possível com o Congresso. O presidente eleito, já sem a estrela do PT na lapela, disse não pretender fazer um governo de um homem só.

De fato, nesse sonho de um Brasil melhor, Lula precisará de todos, à direita e à esquerda, incluindo aquele que hoje é, sem dúvida, seu maior avalista: FHC. Quando estão em jogo os interesses de todos os brasileiros, uma única estrela já não basta.

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