Só um faz-de-conta

Esse é um orçamento essencialmente realista, disse Guilherme Dias, o ministro-tampão do Orçamento e Gestão do último ano de governo de Fernando Henrique Cardoso, ao encaminhar a documentação para o Congresso. Tão realista que, pela primeira vez, não prevê sequer verbas para emendas de deputados e senadores ? o motivo de todas as brigas e todos os acertos. Trata-se da peça orçamentária mais apertada já feita em oito anos. Nela, os reais contados aos bilhões levam em conta um crescimento de três por cento do Produto Interno Bruto-PIB; uma inflação de seis por cento no decorrer do exercício; um reajuste de apenas 5,5% no valor do salário mínimo; um acerto salarial para todos os servidores de 4%; uma taxa básica de juros de 16,62% e, num arriscado exercício de adivinhação, um valor médio para o dólar norte-americano fixado em R$ 2,90.

O projeto do governo, conforme foi concebido sem muita preocupação, traduz apenas o cumprimento do que diz a lei, principalmente na questão do prazo. Nada mais. E existe uma razão para isso: de fato, a apreciação do orçamento para 2003 deverá acontecer ainda este ano, mas somente após já conhecido o novo presidente da República que, ainda sem a caneta na mão, terá entretanto a força (e a vontade) de modificar, emendar, rejeitar ou até mesmo pedir outra proposta ao Executivo, já em fase de transição. Competirá, pois, a cada postulante à suprema magistratura da nação o trabalho de amoldar o pedido, depois, conforme suas verdadeiras intenções.

Levado a sério, cada item do orçamento proposto poderia ser motivo de longa contestação por parte dos candidatos. Na previsão das receitas está escondida a questão tributária, até aqui não resolvida; na previsão das despesas, o tamanho do estado; nas transferências a estados e Municípios, o tipo de federação imaginada; nos déficits do INSS e da previdência dos servidores públicos, o nó górdio do salário mínimo (contra a proposta de R$ 211,00 do governo, tem candidato prometendo R$ 1.500,00 mensais!); nos gastos com os juros da dívida, os próprios juros cobrados de quem precisa empresar recursos ou deve dinheiro; nos recursos para investimentos, o tanto de realizações em obras e por aí afora.

Em vez de levantar debate ? e o projeto do governo poderia ser esse agente provocador ?, a reação foi um silêncio sepulcral. Nem mesmo os onze reais de aumento para o salário mínimo provocaram os protestos de sempre: é que o próprio Congresso Nacional será renovado e quem lá está (danem-se os interessados!) não sabe se lá fica. Se levantam a voz para exorcizar a mixaria de cada aposentado, as oposições que estão à testa das pesquisas de opinião poderão estar cavando o próprio buraco em caso de vitória eleitoral. Fazer discurso na oposição é uma coisa; prometer antes de subir no podium é oferecer a cabeça a prêmio. Assim, os nossos interesses reais ficam todos para depois das eleições. Por enquanto vivemos a realidade eleitoral. Ou a fantasia.

Foi essa mais uma jogada inteligente ? eis o realismo referido por Guilherme Dias ? do grande articulador que continua se revelando FHC. Um orçamento de faz-de-conta não compromete nem mesmo seu candidato, José Serra. Ele está livre para, querendo, construir seu próprio orçamento, assim como Lula, Garotinho, Ciro Gomes e os outros.

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