Sistema de composição de conflitos e direito de greve

A Comissão de Sistematização do Fórum Nacional do Trabalho avançou na análise sobre o sistema de composição de conflitos e direito de greve, juntamente com os temas relacionados à organização sindical e negociação coletiva, já examinados nos artigos anteriores. Se também neste ponto, como nos demais, muitas divergências ainda possam ser assinaladas, vários os consensos foram firmados entre as representações do governo, dos trabalhadores e empregadores. Restam alguns pontos essenciais, como a questão do poder normativo da Justiça do Trabalho. No mesmo sentido dos textos anteriores, apresentaremos as formulações dos membros da Comissão de Sistematização para, no final, concluir com nossa breve análise crítica.

As premissas estabelecidas foram as seguintes – (1) O novo sistema brasileiro deve assegurar meios que sejam capazes de resolver os conflitos com rapidez e segurança jurídica e o direito de acesso ao Poder Judiciário (2) Na esfera das negociações coletivas, esgotadas as possibilidades de acordo, os meios de solução de conflitos de interesse devem ser sempre voluntários e impulsionados de comum acordo entre as partes (3) Na esfera da negociação coletiva, os meios de solução de conflitos de interesse nos serviços e atividades essenciais devem ser objeto de regulamentação específica, que considere a definição dos meios de solução de conflitos individuais fica condicionada às resoluções sobre organização sindical e negociação coletiva.

Quanto ao encaminhamento das soluções, as indicações foram as seguintes: (a) Na esfera dos conflitos individuais, o novo sistema deve prever a composição extrajudicial realizada com assistência sindical, conforme regulamentação específica, sem prejuízo do direito de acesso ao Poder Judiciário (b) Os meios de composição de conflitos coletivos podem ser públicos ou privados, contemplando a conciliação, a mediação e a arbitragem (c) Os meios de solução das greves, nos conflitos de interesse, devem ser a conciliação, a mediação e a arbitragem (d) Os conflitos coletivos de natureza jurídica serão resolvidos pela Justiça do Trabalho (e) Não deve haver regra rígida e pré-determinada sobre os estágios de justificação de cada meio de composição, ficando ao arbítrio das partes a utilização dos mesmos (f) Na hipótese de composição de conflitos por instituições privadas, estas deverão depositar, no Ministério do Trabalho e Emprego, seus atos constitutivos devidamente registrados para efeito de cadastro e acompanhamento (g) As composições proferidas pelas instituições privadas serão depositadas no Ministério do Trabalho e Emprego (h) As composições de instituições privadas não serão revisadas, homologadas ou examinadas pelos poderes públicos, salvo requerimento dos interessados nas hipóteses asseguradas pela constituição ou legislação.

No que concerne aos pontos relativos ao direito de greve, os consensos obtidos são (1) É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender (manutenção da redação do art. 9.º da Constituição Federal) (2) A titularidade da oportunidade de deflagração do direito de greve é dos trabalhadores (3) Deve haver definição legal de greve

(4) Não deve haver distinção entre trabalhadores e líderes de greve (5) São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve; a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento (6) Os meios adotados por empregados e empregadores não poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem (7) É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho ou que frustrem a divulgação do movimento (8) Não deve haver julgamento de objeto nem de mérito da greve (9) Deve haver definição de serviços e atividades essenciais, segundo critérios preponderantes na OIT, quando a interrupção dos serviços puser em risco a vida, a saúde e a segurança da população; com a inclusão de alguns critérios e condições mais vantajosas, compensatórias para a solução dos conflitos nestas atividades (10) São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população (11) A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos no curso da greve será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal (12) Supressão da disposição contida no parágrafo único do art. 15 da lei n.º 7.783/89 (“Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito”).

Foram mapeadas as pendências sobre a regulamentação do direito de greve, retornando o tema à discussão sobre os seguintes itens: definição de greve; direitos, prerrogativas e responsabilidades; julgamento sobre abusividade; definição dos serviços e atividades essenciais; procedimentos na apuração de abusos cometidos durante o exercício de greve; mecanismo de reparação dos abusos; limites do direito de greve; especificidades do exercício do direito de greve nos serviços públicos.

Os pontos que continuam pendentes de encaminhamento na Comissão de Sistematização, pois apenas obtido consenso entre os representantes do governo e dos empregadores, situa-se o do poder normativo da Justiça do Trabalho que, no ver de ambas as bancadas, deveria ser extinto. Entendem o governo e os empresários que “nos casos de composição de conflitos de interesse, pode a Justiça do Trabalho ser transformada em árbitro público, condicionado o seu exercício ao requerimento conjunto das partes e às regras gerais de arbitragem”. Os representantes dos trabalhadores posicionaram-se, inicialmente, também pela extinção do poder normativo, porém salientando que ” nos casos de composição de conflitos de interesse, esgotadas as possibilidades de composição, inclusive com o uso da conciliação, mediação e arbitragem, a arbitragem pública será acionada”. Entretanto, a bancada do governo, por sua vez, sugeriu outra redação: “Os conflitos coletivos de natureza jurídica serão dirimidos pela Justiça do Trabalho. No caso dos conflitos coletivos de interesse, a Justiça do Trabalho poderá atuar como árbitro público, desde que haja o requerimento conjunto das partes e de acordo com as regras gerais de arbitragem, salvo os casos previstos nas regras de vigência dos instrumentos normativos.” No ver da Comissão de Sistematização, haveria o ” consenso de que deve ser redefinido o papel da Justiça do Trabalho na solução de conflitos de interesse, mas as bancadas optaram por fechar o texto deste item na próxima reunião da Comissão de Sistematização”.

O Fórum Nacional do Trabalho está mantendo o sistema de solução de conflitos pela via privada e pela via judicial, ao definir que ” na esfera dos conflitos individuais, o novo sistema deve prever a composição extrajudicial realizada com assistência sindical, conforme regulamentação específica, sem prejuízo do direito de acesso ao Poder Judiciário”. Não há maiores especificações sobre a questão das Comissões de Conciliação Prévia, um dos pontos centrais dos debates da atualidade e sobre o qual a Comissão Nacional de Direito e Relações do Trabalho deverá se pronunciar. Ao mesmo tempo, a generalidade do posicionamento é perigosa pois, enquanto assinala a necessidade de que na composição extrajudicial ocorra a presença da assistência sindical, não enfatiza a obrigatoriedade da participação do advogado em todos os atos, elemento essencial para a segurança jurídica das partes e em atendimento ao preceito constitucional. E esse perigo é ainda maior ao introduzir a possibilidade da constituição de empresas privadas que poderiam mediar o conflito: “Na hipótese de composição de conflitos por instituições privadas, estas deverão depositar, no Ministério do Trabalho e Emprego, seus atos constitutivos devidamente registrados para efeito de cadastro e acompanhamento. As composições proferidas pelas instituições privadas serão depositadas no Ministério do Trabalho e Emprego. As composições de instituições privadas não serão revisadas, homologadas ou examinadas pelos poderes públicos, salvo requerimento dos interessados nas hipóteses asseguradas pela constituição ou legislação”. Trata-se, por obvio, da introdução do sistema norte-americano de gerenciamento de conflitos por empresas especializadas, ponto até agora não aprofundado em suas conseqüências políticas e jurídicas.

Como se observa, há, ainda, um longo caminho a percorrer sobre o sistema de composição de conflitos e direito de greve, peças basilares em nosso universo das relações de trabalho. Se por um lado o Fórum Nacional do Trabalho abre a análise de temas tão complexos, por outro lado há necessidade da complementação desse debate, com o retorno das conclusões à crítica das entidades e pessoas envolvidas.

Verifica-se, entretanto, que organização sindical, negociação coletiva, composição de conflitos e greve são temas intimamente ligados entre si. O posicionamento do Ministério do Trabalho e Emprego em deslindar, primeiro, a questão sindical, poderá ser desastroso, na medida em que vê apenas uma árvore e não o conjunto da floresta. Impossível debater, isoladamente, no mundo das relações do trabalho – e em um país tão desfigurado como o nosso em seu plano econômico – como trabalhadores e empregadores se organizam sindicalmente, sem verificar, em conjunto, as conseqüências nos demais campos dos negócios jurídicos individuais e coletivos. Mais graves, ainda, se atentarmos para o descolamento do debate da reforma da lei do trabalho em seu todo.

Renovo minha posição de que este ano de 2004 deveria ser dedicado a uma repassagem geral desse debate, ainda no campo direto entre governo, empregados e empregadores, assim como com a indispensável presença das entidades do Judiciário, da Advocacia, do Ministério Público do Trabalho e dos Servidores Públicos. Será o tempo de afinar os instrumentos para que a música, quanto venha a ser executada, tenha uma melodia que soe bens aos ouvidos do povo.

edesiopassos@terra.com.br

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