Não se tratasse do papa, o chefe da Igreja Católica com mais de um bilhão de fiéis, e certamente a simpatia, o carisma, a intensa e bem urdida diplomacia de João Paulo II seriam insuficientes para granjear-lhe o sólido prestígio que consolidou em todo o mundo, no mundo católico, no cristão de outras fés e mesmo entre adeptos de religiões como o judaísmo, o islamismo e até as milenares religiões asiáticas.

continua após a publicidade

As qualidades indiscutíveis do falecido papa camuflaram sua rígida ortodoxia, fazendo com que colocassem em segundo plano posições que sustentou com firmeza contra movimentos modernos, como o combate à aids, a aceitação do homossexualismo, o aborto, pelo menos terapêutico, a consagração sacerdotal das mulheres, o casamento dos membros do clero e muitos outros passos que, nos dias de hoje, são considerados progressos. E negá-los ou combatê-los parece para muitos retrógrado e injustificável conservadorismo.

O novo papa, Bento XVI, era, pela posição que ocupava no Vaticano e pela proximidade com João Paulo II, um dos sustentáculos dessas posições ortodoxas que seriam consideradas absurdamente retrógradas, não fosse a diplomacia e a simpatia indiscutíveis do então chefe da igreja. Nada a admirar, portanto, que assumindo a chefia da Igreja Católica Apostólica Romana, de cujo poder supremo esteve sempre muito próximo e em posição de grande influência, o mundo espere de Bento XVI a mesma rigidez ortodoxa, sem o escudo da simpatia e da diplomacia insuperáveis de seu antecessor.

Por isso, tanto na América Latina, quanto nos Estados Unidos, parte da Europa e principalmente na África, o novo papa esteja sendo olhado com desconfiança e reservas. Esquecem-se, entretanto, que mesmo sendo um ferrenho ortodoxo contrário a quaisquer modificações mais radicais na igreja, mesmo que exigidas pelo progresso e aspirações da humanidade, Bento XVI é um homem inteligente. E um político, pois por mais de duas décadas ocupou, sem contestações, posições sólidas de liderança no Vaticano. Ele desde logo parece perceber que para manter suas convicções e dar continuidade à ortodoxia de João Paulo II terá de captar as simpatias dos católicos e do mundo inteiro. Ou, pelo diálogo, iniciar uma abertura que poucos acreditariam fosse ele capaz de encetar.

continua após a publicidade

Mas, tal parece que pode acontecer. Já nos primeiros contatos como papa, Bento XVI vem mostrando uma imagem simpática e manifestando o desejo de diálogo. Há nessa nova posição motivos de ordem político-religiosa ponderáveis. É que, a manter a rigidez doutrinária durante o seu papado, corre o risco de alargar as contestações que a Igreja Católica já sofre, enquanto outros credos, inclusive cristãos, ganham adeptos e reduzem o número imenso de católicos romanos. Estes, cada dia mais, são católicos apenas de nome e não praticantes. E questionam os dogmas ortodoxos que perdem razão de ser na vida moderna, como, por exemplo, o aborto terapêutico, o uso de anticoncepcionais e outras demandas que ganham milhões de adeptos na vida moderna.

Há fundadas esperanças de que o novo papa, sem deixar de ser um ortodoxo, se preste ao diálogo e admita alguns avanços que, enquanto guardião da fé no Vaticano, ninguém imaginava fosse capaz. Afinal, ele devia obediência e cumpria à risca a orientação de João Paulo II, este sim um ortodoxo inflexível.

continua após a publicidade